Fazendo amizades
Jacob e eu éramos inseparáveis. Íamos juntos pra tudo quanto é lugar. Desde boliche até a festas em que não éramos convidados. Por mim, seríamos assim sempre, era uma pena que Jake não pensava como eu.
- Sexta vai ter um show muito legal de uma banda lá do Canadá. Eles não são muito bons, as músicas são fraquinhas, mas eu ouvi falar que as batatas fritas de lá do Met’s são as melhores! Eu acho que eles colocam algum molho especial. A minha mãe disse que deve ser secreto, mas eu acho que isso é besteira dela. Talvez seja...
- Barbecue. – Disse ele.
- É, pode ser.
- Pode ser não, é barbecue.
- Como você sabe?
- Fui lá na quarta passada com o Endri. – Eu parei de andar, ele continuou, mas parou ao perceber que eu já não estava ao lado dele. – Qual o problema?
- Foi até o Met’s e não me chamou? Achei que tínhamos combinado de ir juntos.
- Foi só uma passada rápida. A galera me chamou, eu estava à toa mesmo.
- Ata, a galera. – Disse, com certo desânimo. – E por que não me ligou?
- Porque era uma coisa só de homens. Desculpa.
- E daí?
- E daí que você é uma...Garota.
- Não levava isso em conta quando brincávamos de lutinha.
- É. A gente tava na 2ª série! Não me leva a mal, Demi. Você é minha melhor amiga, mas ás vezes um homem precisa passar mais tempo com outros homens. Ter amigos... Homens. Entende?
- Eu não sei se consigo entender. – Disse eu, emburrada.
- Ah, qual é! Nunca quis se livrar de mim? Passar um tempo só com suas amigas? Bater um papo de mulheres, hã? – Perguntava com um sorrisinho.
- É, eu faço isso com a minha mãe ás vezes.
- Ah, é. Eu esqueci do seu problema de...Amizades. Olha, tudo bem. É normal pra uma adolescente de 16 anos achar que a sociedade é hipócrita e medíocre. Eu entendo, sabe?
- Espera aí! – Me indignei – Você está me dizendo que eu não tenho amigos? Pois saiba que eu tenho muitos amigos, ouviu?
- O padeiro não conta.
- E por que não? Ele é um cara bem legal, tá bom?
- Olha, você não tem amigas, tá legal? Você anda com os caras, sempre andou. E se ás vezes age como uma garota quando, sei lá, corta o cabelo e pinta as unhas, é por causa da sua mãe. Essa é a verdade. – Concluiu. Eu o olhei completamente indignada.
- Como pode me dizer uma coisa dessas?
- Ah, que isso. Sem drama. Você sabe que é a verdade. Combinamos de sempre sermos sinceros um com o outro.
- Ta bem. Mas eu tenho que te lembrar que eu já tive amigas. Uma delas foi a Livy e você viu o que ela fez comigo no final de tudo. Aliás, fez e ainda faz.
- Por que você vive tanto de passado? Esquece isso. Só porque a Livy foi uma cretina com você não quer dizer que todas as outras garotas vão trair a sua confiança. Quer dizer, ela espalhou pra todo mundo que você tinha prisão de ventre, mas e daí? Quem liga?
- Eu ligo! E se quer saber, você não devia ter tocado nesse assunto. E não era prisão de ventre, eram só gases. – Ele me olhou achando graça – O quê? Eu tinha 12 anos! Será que você nunca teve gases na sua vida?
- Quer um conselho? Arranje uma amiga. – Disse ele tocando no meu ombro. O sinal tocou - Nos vemos no almoço.
Eu odiava admitir, mas ele estava certo. Naquele momento eu me dei conta do quão anti-social eu havia me tornado. Eu passei tanto tempo da minha vida tendo apenas amigos homens que acabei esquecendo dessa parte de ter amigas.
A culpa não é totalmente minha. Eu cresci com meu pai e tios homens. Minha mãe estava lá, mas eu achava tudo que ela fazia tão desinteressante que acabei me tornando mais próxima de tios e primos. Então conheci o Jacob e acabamos crescendo juntos. Na minha vida não tive muitos capítulos em que uma garota fosse minha amiga. Tinha a Livy, mas aquele foi um outro nível de amizade. Eu diria um nível bem abaixo de amizade.
É, eu tinha que arranjar uma amiga. Jacob estava se achando a cereja do bolo da minha vida. HÁHÁ. Veremos.
Fazer amizades era mais difícil do que eu pensava. A última amizade sincera que fiz começou com uma espécie de jogo de encarar: Quem parecia mais cruel? Agora, isso não funcionaria. Eu precisava ser... normal. Ou natural, como quiser chamar.
No intervalo, não fui até a mesa de Jacob, como sempre fazia. De longe, ao ver sua expressão, percebi que ele estranhou completamente a minha atitude. Mas eu tinha que continuar. Primeiro passo: respirar fundo. Segundo passo: aonde sentar?
Essa deve ser a decisão mais dolorosa. O ambiente escolar é totalmente medonho quando se procura amizade. Eu estudava a quase 2 anos ali e sabia bem que o lugar em que você senta era o lugar que te definia. Portanto, seja definida ou sente-se no vaso sanitário do banheiro.
Eu era definida, eu tinha um lugar. Mais necessariamente na mesa ao lado da janela, de vista pro bebedouro. Era meu lugar, mas não o lugar de alguém que precisava de uma amiga. Eu fui à luta. Jacob quase se engasgou com o hambúrguer quando me viu caminhar em direção à mesa dos góticos.
Eram pessoas legais, completamente autênticas e também achavam a sociedade hipócrita e medíocre, assim como eu. Tinham um prazer estranho pela morte, mas eu me esqueci disso. Fui expulsa com sete olhares seguidos assim que dei meu primeiro suspiro ao sentar. Mesa errada.
Tentei a mesa dos hippies, dos alternativos, a mesa dos atletas e até a mesa dos fãs de elfos. O máximo que consegui foram olhares do tipo: “Quem é essa estranha?”. Quando falavam algo, o que saía era: “Ei, você não é a garota que tem prisão de ventre?”.
- Eu tenho que te parabenizar. Você bem que tentou. – Disse Jacob ao aproximar-se de mim, que estava sentada na escada da escola com um livro de J.L Smith na mão. – Acho que eu exagerei um pouco nessa coisa de você ter uma amiga. É mais difícil do que pensei.
- Nem venha com essa, Jacob Willians! – Disse eu, levantando irritada – Eu vou arranjar uma amiga até o fim da semana. E quando isso acontecer você vai ver quem é a anti-social! – Dizendo isso, saí furiosa.
Na quarta-feira, decidi tentar mais uma vez. A abordagem da mesa do refeitório não tinha sido uma ideia muito boa. A sala de aula era melhor.
Ellen Osment era minha parceira no laboratório de química. Nos falávamos sempre na aula. Claro que era pra discutir sobre fórmulas, e ela estava sempre tão focada em parecer mais inteligente do que eu que chegava a ser irritante. Bom, ela devia ter um lado melhor.
- Ei Ellen – Comecei, no meio da aula – Estava pensando se não queria ir no Met’s sexta-feira. Ouvi dizer que vai ser bom.
Ela levantou seus olhos rigidamente azuis e soltou:
- O que isso tem a ver com química?
- Hum, bom, achei que podíamos sair e falar de outras coisas, além de química. Papo de garotas,sabe? – Eu disse com um tom de simpatia forçado.
- Tipo, amigas? – Perguntou ela.
- É. Exatamente! Como amigas.
- Não vai rolar. – Disse com desdém, logo depois voltando a juntar o líquido azul com o amarelo.
- E por que não?
- Nós não somos amigas. Nem um pouco.
- Ué, e aquele piada que você me contou sobre as fórmulas, como era mesmo?
- Não era piada, era a matéria que foi dada. Saberia se tivesse estudado, ou pelo menos se soubesse como fazer isso.
- Tá legal. – Disse séria. Cansei de ser boazinha – Você não gosta de mim. Eu já percebi. Eu também não gosto de você, mas você parece o mais próximo que eu posso chamar de ‘amiga’. Ou ‘colega’, que seja. Será que pode me ajudar e pelo menos fingir que é simpática comigo?
Ela me olhou curiosa.
- Então precisa de uma amiga de aluguel?
- É, eu preciso de uma... – Interrompi a mim mesma. Eu não tinha pensado nisso. – Como é?
- Olha, você precisa de uma amiga e eu preciso de, bom, um encontro com seu amigo Jacob.
- Ah é? E por quê? – Perguntei ingênua.
- Essa foi uma pergunta séria? – Disse ela mal humorada.
- Você gosta do Jake? – Perguntei espantada.
- Talvez. E daí? – Disse ela com um tom rude.
Ellen não era feia, era só... Comum demais. Eu tinha certeza que ela não era do tipo do Jacob. Não por causa de aparência, quer dizer, ela era chata. Chata, exibida e com um complexo tão grande de si mesma que tentava escondê-lo por trás da arrogância.
- Topa ou não? – Perguntou impaciente.
- E o que vem incluído no pacote ‘amigas’?
- Eu sei lá. O que você faz com as suas?! – Perguntou rudemente.
- Me diz você. – Retruquei. Ela ficou calada. Ellen não admitia, mas ela precisava tanto de uma amiga quanto eu. – Tudo bem. Está feito.
No dia seguinte, Ellen e eu andamos lado a lado. Ela falava de algo idiota como células e organismos e tudo que eu desejava era ouvir as piadas sem graça de Jake. Ele levou a sério demais essa história de eu e Ellen sermos amigas agora e acabou me abandonando por causa daquela coisa estúpida de “só garotos”. Além do mais, ficar com a Ellen era uma tortura. O que ela tinha de chata, tinha de arrogante. Eu estava começando a ficar preocupada com meu jeito de pagar por uma amiga de aluguel. Jacob só sairia com ela se estivesse maluco, ou se estivesse tentando me ajudar. Eu até pediria, mas isso acabaria com o plano. Se ele soubesse que eu arranjei uma amiga de mentira só pra esfregar na cara dele, ele esfregaria essa estupidez na minha pelo resto da minha vida. Eu estava perdida. Talvez não completamente.
Na sexta, fomos ao Met’s. Eu dei um jeito de encontrarmos “sem querer” Jacob com seus amigos lá. Sentamos na mesma mesa que eles, e Ellen, acreditando sinceramente que era um encontro, ficou ao lado de Jacob falando sem parar sobre coisas que Jake nem fazia ideia que existiam. A cada 5 minutos, ele me olhava tentando fazer com que eu o ajudasse a livrá-lo da garota. Eu ignorava, pensando: “Desculpe Jake, dessa vez não vai dar. Minha dívida ainda não está paga”.
Quando fomos pagar a conta, a ideia era dividirmos ela por seis. Todos estavam esperando pelo meu cálculo (super hiper mega power lento) mental. Foi quando Ellen explodiu:
- Caramba Demi! Vai logo com isso. Estou começando a duvidar que a sua mente funcione com tanta pressão. – Ironizou – Será que ao menos sabe dividir?
Splash! Não sei qual a expressão certa para isso, mas lá se foi um copo de coca-cola diretamente na cara daquele protótipo de gente. É, fui eu.
- $8,40 pra cada um. – Disse, terminando meu cálculo. – Satisfeita? – Todos da mesa me olharam espantados e segurando o riso.
- Sua idiota! – Exclamou Ellen, revoltada. – É por isso que você não tem amigas! O acordo está desfeito! – Dizendo isso, ela saiu apressada, trombando nos próprios pés e morrendo de ódio de mim.
Fui pra casa com Jake. Ficamos calados quase o trajeto inteiro. Ele olhava para a estrada enquanto dirigia, e logo depois olhava pra mim. Fazia isso várias vezes tentando começar um diálogo, ou tirar algo de mim. Eu estava odiando aquilo.
- Quer conversar sobre hoje? – Perguntou.
- É claro que não. – Respondi, continuando a olhar pra fora.
- Olha, eu acho que a Ellen não era a amiga certa. Ela parece nem gostar de você.
- É mesmo? Não me diga. – Ironizei. Ele soltou uma leve risada.
- Fez um acordo com ela, não fez?
- Ficou tão óbvio assim? – Disse, depois de alguns segundos em silêncio.
- Você tacou refrigerante na cara dela.
- Ah, é. – Murmurei. – Eu só estava, sei lá, desesperada pra esfregar na sua cara que você estava errado. No final, eu estava. Anda, pode começar a dar risada.
Ele não riu. Tirou os olhos da estrada por alguns segundos, me olhando. Voltou a olhar para frente e soltou:
- Desculpa. Acho que eu estava mesmo errado. – Olhei pra ele surpresa – Desculpe por te largar e dizer aquelas coisas pra você. Eu não entendo como pode não ter amigas. Você é divertida, engraçada, inteligente.
- Está falando sério? – Estranhei.
- Nossa, você não viu a minha expressão de seriedade? Eu nem sequer dei risada. – Disse ele bem humorado. Eu sorri. – Espera, o que deu pra Ellen em troca disso?
- Hã. Só um... Encontro com você.
- O quê? – O carro deu uma freada brusca. – Era por isso que não atendia aos meus pedidos de socorro?! Eu estava tendo um encontro e nem sabia?
- Eu tinha que pagar minha dívida. – Eu olhei pra ele. Estava ainda meio inconformado – Bem que você mereceu. – Disse soltando um sorriso maroto.
- Ta certo. Estamos quites. – Ele voltou a dirigir.
- Aí, acha que posso fazer aquilo com a Ellen de novo, só que com ácidos da aula de química?
- Você está ficando muito maléfica. – Disse ele, rindo.
Na semana seguinte, Ellen mudou de parceira, me deixando sozinha na aula de química.“Isso é o que eu chamo de ser rancorosa”, pensava eu no corredor. Meus pensamentos foram interrompidos por uma barulheira danada vindo do outro lado dele. Uma garota tentava a todo custo abrir seu armário, como não conseguiu, partiu para o soco.
- Seu armário estúpido! – Dizia ela.
- Precisa só girar o cadeado. – Aconselhei. Ela parou de dar socos e olhou para o cadeado, como se houvesse compreendido algo grandioso. Seguiu o meu conselho e o girou. O armário abriu.
- Ei, obrigada. – Disse ela.
- Não há de quê. – Respondi. Ficamos olhando uma pra cara da outra, balançando a cabeça sem saber por quê.
- Prazer, Selly. – Disse estendendo a mão.
- Demi. – Estendi a minha. Apertamos as mãos, sorrindo uma para a outra.
É, talvez eu faça uma amiga.