TRÍPLICE VENTURA
De volta à parábola do farizeu e o publicano, coloco os holofotes sobre o último. Quero descobrir como ele olha. Tento sondar-lhe os pensamentos e só consigo alguma coisa em um esforço vicário. Mesmo sabendo que essa, anacrônica aventura, é uma “Missão Impossível”. Colocar-me no lugar do outro pode ser a tentativa ingênua de compreender os sentimentos alheios, mas certamente, ajuda a compreender os meus.
A primeira pergunta é: Como esse homem vê Deus? Um sujeito estigmatizado pelo que sua profissão representava. Ser um publicano, um coletor de impostos do Império Romano, jamais poderia ser uma escolha que merecesse o respeito dos judeus daqueles dias. Mesmo que ele nunca se tornasse um extorsionário ou um corrupto, apenas o fato de aceitar o cargo e trabalhar para os imperialistas, já era comprometedor. Uma atitude acintosa, uma afronta à dignidade do seu povo. Ele se sente reprovável diante da sociedade e diante de Deus. Mas ele vai orar. Ele alimenta a esperança de que Javé seja o Deus dos réprobos. Ele olha para Deus e vê um ser gracioso, que compreende o incompreensível, que acolhe o repugnante e que perdoa o imperdoável. Ele suplica: “Sê propicio a mim”. Ele pede a sua propiciação, sem ter nada a oferecer.
Depois ele olha para si e conclui que não passa de um pecador. Sua confissão põe em curva seu dorso acompanhado de batidas no peito, sugerindo humilhação e assunção. Ele sabe que é impuro e está diante do Deus santo, assim não tem coragem de elevar a fronte. Ele sabe quem é o grande responsável pela sua má conduta, por isso bate no peito. Não há justificativas. Não confia em si mesmo. Não mascara a sua condição e não aceita entorpecentes religiosos para lhe aliviar a culpa. O poder que seu cargo público lhe empresta já não consegue camuflar seu fracasso e incompetência diante da vida. Ele se entrega, na esperança de que Deus encontre valor onde ele desistiu de procurar.
Havia um homem ao seu lado, o fariseu. Acho que ele viu aquela figura “imaculada” num êxtase de oração. O que ele não viu mesmo foi a possibilidade de isso lhe atrapalhar com Deus. Sua condição de pecador não lhe fez se achar melhor do que aquele fariseu pedante numa cena de pecado explícito. Ele não iria mudar sua oração para: “Graças te dou, ó Pai, porque não sou arrogante como esse fariseu hipócrita, me ajoelho três vezes por semana e confesso meus pecados, blá-blá-blá...”. Nada disso. Ele não se incomoda com o vizinho porque é apenas outro pecador igual a ele. Nem maior, nem menor, só outro perdido carente da graça de Deus.
Daí ele vai embora justificado. Ainda é publicano, mas justificado. Como? Ainda publicano? E pode um publicano, sendo publicano, ser justificado? Não olha para mim, foi Jesus quem propôs essa parábola. Ele deu um ponto final. Não se preocupou em contar que decisões o cara tomou, não repetiu a mesma orientação que deu para a mulher adúltera “Vai e não peques mais”. Acho que agora é nossa vez de participar dessa história. Pense nisso: um pecador, safado, traidor, ganancioso, entra no templo, faz uma oraçãozinha de cinco minutos e Jesus diz que ele sai justificado.