O pequeno promotor
Ao fechar a porta e jogar displicentemente a bolsa no sofá, ela se deparou com o volume imenso, do Código Penal. Intrigada, perguntou de onde saíra aquilo, no que, prontamente, o filho respondeu:
— Aluguei na biblioteca do colégio. Decidi que vou ser advogado... Promotor! Já sei, inclusive, que a Faculdade São Francisco é a melhor de todas. Que vai ser muito bom pra minha carreira, conseguir estágio num bom escritório de advocacia, vou perguntar pra Tita se ela conhece algum, blábláblá...
O orgulho da mãe foi até Vênus e voltou. Não podia acreditar no que estava vendo e ouvindo, após ter passado pelas agruras do inferno, duas semanas atrás, quando a nota mais alta do boletim dele foi 5, chegando, em contagem regressiva, aos 2,5. Isso sem falar da rebeldia, mais intensa a cada semana. A psicóloga, quando consultada, diagnosticou o fato como conseqüência da fase complicada pela qual a família estava passando. A doença e cirurgia da avó, o abandono em que ele se julgava relegado ante as circunstâncias e mais outros tantos fatores emocionais, que os profissionais da área tão bem sabem enumerar.
Estava no meio dessas deduções analíticas, quando foi interrompida pela voz impaciente e esganiçada, característica da pré-adolescência:
— Sabia que eu sofri uma difamação no colégio?
— Ahn?
— É. Fui difamado por um menino e a pena pra isso é de três a doze meses de reclusão, mais multa.
— Mas como assim... O que foi que aconteceu?
— Soltaram um pum na classe, começou a feder e o menino disse que "só pode ser o Douglas, gordo desse jeito!" — Já sei como vou enquadrá-lo.
O orgulho da mãe arrefeceu-se um pouco na gargalhada espontânea. Mesmo assim, pensou que o futuro do filho estaria seguro, enquanto puns fedidos pairassem incógnitos pelos ares da vida.