A NAMORADA DO DIABO
Terezinha Pereira
Eulália era moça direita. Rezadeira. De fazer novena para Santo Antônio, rezar ladainha no mês de maio, rezar via-sacra na quaresma, puxar o terço nas festas de cada um dos três santos. Para um agrado, vez ou outra, levava alguns guisados para o vigário. Coitado. Não tinha ninguém que olhasse por ele. Havia ela passado dos quarenta anos, sem ter sido aquilo que costumam chamar de moça bonita. Compensava e falta de formosura com muito zelo com as coisas da casa, do trabalho e da religião. Participava de todas as festas que aconteciam na cidade: bailes, quadrilhas, barraquinhas. Vez por outra, dançava com algum amigo. Dizem que, volta e meia, tomava chá de cadeira.
Certa vez, como todas as moças casadouras da cidade, passou o dia inteiro preparando-se para o “Baile da Primavera”, a festa mais concorrida da cidade nos anos cinqüenta. Emperiquitou-se toda. Chegou a dizer às amigas que naquele baile arranjaria um par de qualquer maneira. Nem que fosse o diabo.
Foi realmente um grande baile. Uma orquestra de sucesso tocava os famosos boleros da época. Se não falha a memória dos que contam essa história, o nome da orquestra era “Cassino de Sevilha”. O salão permaneceu, tempo todo, cheio de casais dançando animadamente. Muitos rapazes de outras cidades participavam da festa, o que deixou entusiasmadas as moças da cidade. No meio de tantos desconhecidos apareceu um galã. Dizem que era parecido com o Robert Taylor. Alto, moreno, olhos verdes. As moças passavam perto dele falando mais alto, fazendo qualquer coisa para chamar-lhe a atenção, no intuito de serem convidadas para uma dança. Ninguém podia imaginar que a escolhida seria a Eulália. A própria. Aquela que, quase no fim da festa, ainda não havia dançado uma música sequer. Reboliço no salão.
-A Eulália?
-Quem é aquela maravilha?
-Como é que pode? Dançando com a Eulália?
-Não é possível!
A curiosidade e a indignação das donzelas foi aumentando quando viram a Eulália de par constante com o galã. Era a primeira vez que acontecia isso com Eulália. Acabava bolero, entrava bolero, lá estava ela, sorridente, girando no salão com o galã mais cobiçado da noite.
Para surpresa maior ainda, no final da festa, Eulália saiu sozinha com o rapaz, coisa que moça direita nenhuma ousava fazer. Claro que foi seguida por umas despeitadas, e foram essas que acabaram presenciando o sumiço do galã.
As donzelas ficaram à espreita na esquina mais próxima da casa da afortunada colega daquela noite. Sem mais nem menos, viram uma fumaça densa e negra saindo do lugar onde estavam os dois. Ouviram então um grito horrível de homem, seguido de um pedido de socorro, que disseram ter sido voz de mulher. Quando tiveram coragem para oferecer alguma ajuda, o local ainda estava enfumaçado. A Eulália estava desmaiada no chão. Não havia nem sombra do belo desconhecido da noite. Dizem que sentiram um forte cheiro de enxofre.
Até hoje, Eulália é conhecida na cidade como "a namorada do diabo".