Resposta Virtual

Resposta Virtual

A tecnologia altera as formas de relacionamentos. Até aí, como dizia meus pais, “morreu neves”, nenhuma novidade.

Jamais imaginei que minhas relações seriam feitas, em grande parte e, quase que diariamente, por meio de correios eletrônicos.

Tenho um amigo dos tempos de primário, nascido na mesma cidade que, depois de rodar por algumas capitais brasileiras, decidiu residir no sul de Minas Gerais, após aposentar-se.

Recebi dele uma cópia de sua resposta ao correio recebido, sobre nossa terra, Belém, e que o emitente perguntava: “que lugar é esse”?

Instigado pela pergunta e pelos laços com a terra natal, sentou sua solidão em frente do computador e respondeu de tal forma, que só pode ter sido ditado pelo coração.

Caro amigo,

Navegador astuto, sensível, persistente, pois consegue descobrir nesta vastíssima “bacia internética” recantos, cantos, sabores, sons, cores e números que nos transportam por espaços e tempos de alegria, bondade, beleza e solidariedade.

Quando envias algum correio como este, funciona como varinha mágica de fadas, que nos ilumina numa espécie de renascimento.

Com relação a tua pergunta, muito menos pergunta e muito mais um abraço com a fraternidade dos emigrantes, esse lugar acredito que não exista mais. Ou melhor, existe nos corações dos que nasceram e viveram numa pequena cidade, 150 mil habitantes, onde nosso riso como eco nas muralhas do passado, nos faz gargalhar nas ruas cravadas no verde da serra do presente.

Esse lugar era onde os sonhos borbulhavam, onde o candiru nos fazia marcas como irmãos de sangue, onde a bandeira vermelha anunciava a alegria pura e cristalina, como águas das fontes do presente, estampada em sorrisos roxos pintados pelo sabor do açaí.

Esse lugar era onde construímos teses intuitivamente, confirmadas hoje pela experiência e acompanhada pela solidão de vale cercado por verdes montes.

Esse lugar, onde aprendemos com vira-latas o maior dos sentimentos que lutamos, sem glórias, por construir - a solidariedade...

Esse lugar, mesmo acreditando que não exista mais, continua presente, numa espécie de codificação energética, numa espécie de marca de propriedade do rebanho, que é feita pelos seios da terra natal.

Esse lugar jorrava paradoxos. Por exemplo, no segundo domingo de outubro, aqueles reconhecidos ateus por suas elucubrações nas esquinas, ou nas mesas de bares ou, ainda, em bancos de praças, estavam louvando, celebrando e pedindo bênçãos à Mãe das Mães de todos os paraenses: o Lírio Formoso, a Mãe Bondosa, a Senhora de Nazaré...

Esse lugar vela segredos. Ruas proibidas, mangueiras, troncos de coqueiros deitados a beira mar e caules de açaizeiros em noites prateadas, guardam a sete chaves seus testemunhos como leitos da paixão exuberante da juventude.

Nesse lugar acreditava-se no amor verdadeiro como na lenda do Tambatajá. Amor entre índio taulipang e índia macuxi que, diferente de Julieta e Romeu, a morte não os separou e sim os uniu para sempre.

Nesse lugar, quando morre um paraense, esteja em que lugar do mundo estiver, ou floresce um tambatajá, ou um rio se desvia e forma um novo igarapé, ou um pássaro semeia uma planta nativa, ou uma “tacacazeira” (vendedora ambulante de tacacá) daquelas bem escandalosas, solta uma gargalhada rasgada sem qualquer razão aparente.

Esse lugar não é nada mais nada menos do que 50 anos de saudades...

A pressa e a virtualidade da minha resposta podem ter impedido de te responder a contento, mas estejas certo que não respondi com a razão virginiana, mas banhado pelas emoções e lembranças das águas da minha Guajará.

J Coelho
Enviado por J Coelho em 15/11/2009
Código do texto: T1925655
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