NO PAÍS DAS FRALDAS ZERO!

Havíamos combinado um chá das cinco num desses movimentados e tradicionais shoppings da cidade, e foi ali, entre filas congeladas e quilométricas presentes em todos os acessos da edificação, que percebi que a alucinada confusão de final de ano já começou por aqui.

Desisti do chá. Tentei avisar as amigas pelo celular, que por longo tempo indicava"sem serviço". Também desisti.

Então mudei de planos como de "alhos para bugalhos" e procurei um supermercado para uma breve compra de conveniências.

Numa cidade de tantos contrastes não é nada difícil se inverter os cenários...e as cenas.

Assim que estacionei, um pequeno garoto que ali parecia perdido na paisagem me dirigiu a palavra: "calma ô moça, não vou te assaltar, não!", disse-me levantando a camiseta e expondo-me seu abdômen magérrimo.

Fiquei sem graça, porque devo ter me assustado sem perceber, num desses costumeiros atos espontâneos.

Aqui por São Paulo tem disso: Várias vezes nos assustamos com o indevido.

E ele continuou:"ô moça, não quero dinheiro não, quero fraldas para o meu irmãozinho, você compra?"

Confesso que não sabia bem o que fazer, me atrapalhei um pouco com a situação, porque em poucos segundos notei que estava sendo observada por muitos, por várias câmeras, e inclusive pela prontidão da segurança do supermercado.

Mas assumi a situação, respondi que compraria sim, e ele me acompanhou, aliás, muito familiarizado com o percurso até as prateleiras e com a variedade dos produtos oferecidos, e ainda me confirmava enfaticamente: "Não tem perigo moça, fica tranquila!". Fazia muitos anos que eu não comprava fraldas, exatamente quase vinte e dois anos. Percebi que muita coisa mudou.

Optei por avaliar a qualidade e o melhor custo benefício da compra quando ouvi uma sentença:"ô moça, minha mãe pediu dessa daqui ó, é dessa que sempre costumo ganhar!".

Percebi rapidamente que a mãe do garoto tinha muito bom gosto e que era deveras exigente.

Lembrei das vezes em que comprei fraldas e que eu deixava a minha exigência de lado, porque meus tempos eram bem outros...

Criei coragem e argumentei: "Vamos fazer o seguinte: comprarei sim, mas aquelas que posso comprar, ok?"

Mas confesso que me senti incomodada.

Afinal, que tipo de "gente" seria eu? Consciente, mesquinha, justa ou injusta? Ali eu estaria a serviço do quê e de quem? Do meu altruísmo ou da minha consciência mais que violentada simplesmente por eu poder adquirir aquele pacote de fraldas de luxo e ainda ousar acreditar que ali o luxo era perfeitamente dispensável?

Peguei o pacote que julguei conveniente e ambos, eu e o garoto, nos dirigimos ao caixa.

Ainda me percebi vigiada por tantos olhares que pareciam me reprovar. Mas continuei firme no meu propósito.

Mais uma vez temi acreditar que talvez a reprovação também estivesse dentro de mim.

No caixa, perguntei ao garoto a sua idade, se estava na escola e o porquê do seu corpo encoberto de tanta graxa.

Respondeu-me que tinha doze anos, que estava fora da escola e que trabalhava num posto de gasolina.

Apresentei minha compra de fraldas sobre o balcão, e aproveitei para peguar uma "Ana Maria" de chocolate, dessas que ficam se oferecendo ao cliente, ali na hora do pagamento, justamente por não ter sido parte da lista de compras.

O garoto avidamente pegou uma sacola plástica, tratou de empacotar as fraldas...e a "Ana Maria", sem sequer confirmar comigo se o bolinho era, de fato, para ele.

Provavelmente sua fome sentiu que era.

"Deus lhe pague, ô moça!" disse-me no automático.

Saí dali me perguntando que mundo é esse...que tipo de atitudes fomentamos e endoçamos e quem somos todos nós.