O SÉTIMO LADO DO CUBO

Enquanto você dorme, eu descanso. Olhando seu rosto triangular sobre meu peito, sem as rugas da vigília, nas suas costas os longos cabelos sobre a curvatura dos ombros, o sexo não mais arma desembainhada, senão pássaro em repouso entre as dobras dos lençóis, minhas mãos sobre o leve e compassado palpitar do seu coração, saboreio um precário e indelével sossego em todas as coisas.

Quando você, pleno silêncio, pleno esquecimento do desejo, das palavras, dos múltiplos tempos, das cordas do insaciável violino, das paisagens cobertas de neve, eu repouso das falas dos elfos, do automóvel dourado de Daniel a subir a serra em busca do refúgio em Minas, lá onde têm início os caminhos do Sertão, e repouso também dos pensamentos que nenhum de vocês seria capaz de adivinhar. Só então, em mim, o gosto quase real da vigília, dessa lucidez quase plenamente possível, quase presença em mim de mim mesma, ternura como musgo, todas as coisas quase molhadas da água original, o quase esquecimento de todo o quase sido, a quase perda de todo o jamais vindouro, a quase renúncia a tudo o que tem nome ou poderia tê-lo, o quase não pensamento, o quase estar em todos os não lugares, o quase nada-tudo do Tao.

Quando assim em você, quase alga na água, quase raiz na terra, quase nenhuma lembrança do esforço das asas no vôo, nem das chamas devorando árvores, nem da neve cobrindo o dia da mulher com quem você está a sonhar neste instante, nem do coração telepático daquele que me sabe e me sente com você agora na cama deste quarto de hotel, meu descanso sobre o sétimo lado do cubo, enquanto você permanece na terceira margem do rio. Assim o mundo, quase começando de novo.

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Texto antigo, ah, tão antigo, escrito há mais de uma década e meia quando, ainda que envoltos sempre em densa neblina, os caminhos existiam... nós existíamos todos... nós todos nos sentíamos existir. *Nota de 15 de novembro de 2009.