Tanathus (cap 5 e6)

5. VARANDA

Procurei continuar minha vida sem transparecer para os outros que eu acreditava que tinha pouco tempo de vida, pra mim era a única explicação lógica, se é que tem alguma lógica nisso, que eu estava vendo a morte e até conversando com ela!

Apesar do medo aparente eu me sentia atraída, queria voltar a vê-lo, só esperava que isso não ocorresse no último dia da minha vida, por isso voltei à biblioteca mais umas duas vezes, no mesmo lugar, nas mesmas prateleiras esperando que ele fosse “tirar o almoço lá”, mais não o encontrei. Passei a ler na internet e em outros veículos sobre morte, experiência de quase morte e visões da morte, mais nada que eu lia se assemelhava ao que havia acontecido comigo, afinal, não era eu que estava morrendo quando vi Tanathos, e a descrição que a maioria das pessoas que a viram relataram era bem diferente da impressão que eu tivera dele, e absolutamente ninguém, em todas as minhas pesquisas, tinham conversado com a morte. Outros questionamentos inundavam minha mente, será que ele tinha prazer no que fazia? Qual era o critério de seleção? Será que era ele mesmo que escolhia a forma da morte? Dessa forma ele estava parecendo mais um carrasco de filme sobre a idade média do que o anjo da morte.

Os dias que transcorriam era de recesso escolar, ficar tanto tempo em casa era entediante, estávamos assistindo TV, filme bobo daqueles de baixos recursos, minha mãe fez pipoca e estávamos ali sentados na sala fingindo atenção, pelo menos eu fingia prestar atenção, quando um barulho invadiu a varanda, era um som de coisas caindo e asas debatendo-se.

___ Vai ver o que caiu dessa vez.

Ordenou minha mãe, já sabendo, pelo menos em parte, o que aconteceu. Nossa varanda era gradeada para manter Vitor em segurança, mais às vezes as aves, principalmente pombinhas, voavam desgovernadas e batiam nas grades, caindo na varanda e causando alguns estragos. Na maioria das vezes elas pouco se machucavam, minha mãe as pegava e soltava de volta na rua sem se preocupar muito com o destino da avezinha.

Então eu imaginei a bagunça que me esperava, passei pela cozinha pequei uma vassoura e a pá de lixo e fui à varanda, a pobre da ave se debatia agonizante ainda, dois vasinhos de plantas estavam no chão com terra em volta. Abaixei-me para socorrer a ave que era cinzenta com o pescoço um pouco mais esverdeado brilhante, não era muito grande, mais o pouso desastrado entre as grades da varanda e a aterrisagem nas plantas lhe causaram serias avarias. Ela já estava entre minhas não quando não demonstrou mais nenhuma resistência frente a presente morte, amoleceu em minhas mãos e eu tive certeza que não poderia fazer nada por ela. Imaginei o quanto aquela ave já tinha voado para ter um final daqueles.

Fiquei um tanto melancólica observando a avezinha que jazia em minhas mãos quando um cheiro doce invadiu minha varanda. Levantei o olhar e vi, ali, empoleirado sobre os calcanhares, no pequeno espaço de mureta depois das grades Tanathos, me fitava com olhos enormes de contemplação e eu respondia com olhos enormes de bestificação, me senti mole igual a pombinha, suava frio, será que vai ser agora? Como será que vai ser? Minha mente se encheu de questionamentos terríveis, como ele não se moveu um centímetro se quer pensei em falar primeiro.

___ Que seja rápido, por favor.

Fechei os olhos e esperei que a dor me invadisse e nada.

Abri os olhos de novo e ele permanecia ali, agora com um sorrisinho meio irônico na face.

___ O que você pensa que vim fazer aqui?

Perguntou-me sem mudar de expressão.

___ O seu trabalho é claro.

___ É você é inteligente, descobriu enfim o que eu sou.

___ Não precisamos conversar muito, basta pra mim que seja o mais rápido possível.

___ Lamento mais não é bem assim que funciona, e ainda não vim buscá-la.

Respirei aliviada enfim.

___ Então o que veio fazer aqui?

___ Fui atraído, como se tivesse sido chamado.

Olhei o corpo da pombinha em minhas mãos e estremeci.

___ De alguma forma foi o incidente ___ ele respondeu ___ mais não o sacrifício em si, mais o desejo do seu coração.

Nesse momento eu fiquei preocupada.

___ Mas eu não desejei nada.

___ Não diga que não desejou me ver.

___ Te ver talvez mais não desejei morrer.

___ Por favor, não vamos confundir meu trabalho com a pessoa que sou, bem, não exatamente pessoa mais sei que você entendeu.

___ Imaginei que eu podia te ver por estar perto de morrer, agora não entendo por que te vejo.

___ Alice?! O que ainda está fazendo __ bradou minha mãe preocupada.

___ Já estou terminando de limpar a bagunça. ___ gritei em resposta, e depois falei para Tanathos ___ Por favor, me espere, só vai levar um minuto.

Arrumei os vasinhos de plantas e a terra que estava espalhada pela varanda, depois corri no meu quarto peguei uma caixa de sapato velha acomodei a pombinha e tampei a caixa. Era a melhor urna funerária que eu pude encontrar. Corri para a lixeira do bloco e acomodei a pequena caixa de sapatos na o cesto de lixo, pensei em fazer uma prece mais depois achei desnecessário.

Corri de volta ao apartamento e ele já não estava na varanda, afinal, imaginei, deve ter tido uma emergência para resolver, voltei ao meu quarto e meu coração quase parou quando o vi ali, tranquilamente sentado na escrivaninha onde deveria ter um computador.

6. XADREZ

___O que está fazendo aí?!

Perguntei assustada como se mais alguém além de mim pudesse vê-lo ali, parado no meu quarto.

___ Só estava esperando você.

Respondeu como se fosse à coisa mais normal do mundo, a morte esperando sentada por mim, não contive um pequeno riso um tanto irônico.

___ Imagino que você deve ter muito trabalho pra fazer.

___ Nem tanto, acho que você não acompanha muito os obituários da sua cidade.

___ Engraçadinho, sempre teve senso de humor.

___ Na verdade não, humor é como relação, precisa-se de duas pessoas para fluir e existir, vamos dizer que no meu ramo de trabalho somos muito solitários.

___ hummm__ gemi, me perguntei por um instante o que eu devia responder afinal, eu estava conversando com a morte e eu não parecia ter nenhuma pergunta inteligente pra fazer, então se não havia pergunta inteligente iria começar pelas burras mesmo afinal aquele silencio estava começando a ficar constrangedor.

____ E ai você sempre fez isso na vida? Ou já teve outras atividades?

Ele abriu os lábios em um sorriso sem som.

____ Não antes disso eu era escritor e antes de ser escritor eu fui motoboy entregador de pizza, haahaa, é claro que eu sempre fiz o que fiz.

De repente fiquei constrangida com a aspereza da resposta, talvez realmente eu tivesse começado pela pior pergunta. Ele notou meu desconforto,

____ Ah Alice me desculpe, meu humor é um tanto acido, não é sempre que converso com pessoas.

___Não se importe. Acho que só vou fazer mais uma pergunta do tipo imbeciu, já pensou em fazer alguma coisa diferente além de matar pessoas.

Ele pareceu respirar fundo, olhou pra cima com quem pensa um pouco procurando as palavras certas antes de responder.

___ Acho que eu preciso te explicar algumas coisas___ deu uma pequena pausa ainda procurando as palavras.____Eu não escolhi fazer o que faço, eu apenas devo fazer, é uma obrigação, fui criado pra isso, e eu não mato as pessoas pura e simplesmente, eu não sou a causa sou o resultado.

Comecei a sentir que era um pouco mais complexo do que minha mente juvenil pudera absorver.

___Tudo bem, você está me dizendo que é obrigado a fazer o que faz, que não tem escolha e que não as mata.

Ele assentiu.

___então o que você faz.

___Eu as levo, eu garanto que a hora delas chegou e que elas devem deixar suas moradas carnais pra seguir por outro caminho.

Agora havia complicado mais ainda, então resolvi voltar ao primeiro ponto da conversa.

___Porque você é obrigado a fazer o que faz, você gosta disso?

___Eu sou muito diferente de você em relação a minha natureza, eu sou realmente um anjo, um anjo com uma missão e capacidades especiais para executá-la de maneira correta. Já vocês humanos tem uma natureza totalmente diversa da minha, vocês tem um dom, uma graça divina maravilhosa e nem se dão conta disso, vocês tem livre arbítrio. Nós anjos fomos criados para um propósito um destino e dele não podemos sair, se é batalha é batalha, se é adoração é adoração e se é ser a própria morte e ser quem eu sou.

Imaginei sentir uma ponta de amargura no tom de voz dele, mais espero que não.

___Então você está preso a seu destino enquanto nós podemos escolher, mais você garante que a gente morra, somos então destinados a morte enquanto, ao que tudo indica, você é eterno, logo acho que estamos mais presos ao nosso destino do que você.

Ele ficou alguns minutos parado, como quem digere a informação.

___ Muito bem, quase me colocou em xeque, é uma boa jogadora, mais a lógica não é exatamente essa. O livre arbítrio é uma dádiva. A morte é a conseqüência mais cabal do uso dessa liberdade, e quanto a eternidade vocês também o são, só não tem consciência física disso, porque o corpo que possuem é carnal e perecível mais a alma é eterna.

___ Xeque mate.

Ele riu silenciosamente.

___ Não vai perguntar mais nada.

___Acho que estou cansada, minha mente está exausta.

___vou deixar você descansar.

___Não ___ reclamei___ Não acho que você precise ir.Só não precisamos conversar sobre assuntos tão densos, parece chumbo.

___Que seja.

___Sabe jogar xadrez.

___Como poucos.

___Então te desafio a uma partida.

Silenciosamente montei o tabuleiro em um banco e começamos o jogo, a tarde se segui tranqüila, de repente não me sentia na companhia de um anjo cheio de poder e aterrorizante só pelo nome, mais ao lado de um amigo jogando uma simples partida de xadrez.

Daiana B Ribeiro
Enviado por Daiana B Ribeiro em 15/11/2009
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