Eu protesto!

Fazia 2 meses que a loja nova de CDs havia sido inaugurada. Eu ia tanto até ela que, se ganhasse a carteirinha de cliente vip não me surpreenderia.

Eu gostava de música, claro. Mas pra mim a indústria musical desmoronava aos poucos por causa de programas de mp3 como Emule, que tem por objetivo fazer você baixar de graça e não comprar músicas pela internet. Eu era desse time. Comprar Cds era uma perda de dinheiro. A internet era meu meio de mais economia.

Agora, que sentido teria ir até uma loja de Cds quando, na verdade, eu me recuso a gastar um tostão com música? Eu digo: o balconista.

Não era só um balconista. Era simplesmente o cara mais lindo que eu já tinha visto na minha vida. Eu facilmente me distraía perto dele, perdida em sua fascinante beleza.

Claro que eu não queria que ele pensasse que eu fosse só uma ladra de Cds desocupada e sem casa. Por isso, me aproximei dele, puxando papo sobre a banda que estampava a camiseta dele naquele dia: Foo Fighters.

Não que eu curtisse muito Foo Fighters. "The Best of you" foi uma música boa, mas era o máximo que eu conhecia. Eram músicos e tinham uma banda. Pronto, a base do papo já estava formada. Fazer com que ele fluísse foi uma questão de tempo. Eu passei de ‘a provável ladra de Cds’ para ‘a garota legal que curte Foo Fighters’ (mesmo eu não curtindo).

Ele nem ligava mais por eu dar uma passada rápida lá depois da aula, ou nos dias de sábado, quando a loja estava meio vazia.

- Por que é que você tanto vai naquela loja de Cds, hein? - Perguntou Jacob, desconfiado, logo depois de eu recusar ir à casa dele mais tarde, alegando ter compromisso.

- Eu gosto de ajudar o Rob. - Comentei.

- É, parece que gosta sim. - Disse ele com um leve tom de sarcasmo.

Enquanto ajudava Robert a organizar os Cds por data de lançamento, ele parou de falar sobre o Radiohead e me olhou, dizendo com um leve charme:

- Meu grupo de protesto e eu estamos marcando uma passeata para não demolirem uma residência história de 150 anos. Está a fim de ir?

- Grupo de protesto? Você é tipo...Um protestante? - Perguntei. Pergunta cretina.

- Sou. Eu não comentei com você, Demi? Desculpe, devo ter esquecido. Gostamos de lutar contra esse sistema que tenta fazer da sociedade sua matina de robôs.

- Mas, essa casa...

- É um patrimônio histórico. Na faculdade já marcamos o protesto. Acho que é algo que vale a pena ser feito.

"Lindo, ótimo gosto pra música, futuro historiador e protestante? Ele é perfeito! Não estrague tudo!" Pensei.

- Eu adoraria ir. Vai ser ótimo.

- Legal, Demi! Fico muito feliz com isso. É bom saber que ainda existem pessoas que lutam por aquilo que realmente importa.

- É, eu sou assim. - Disse eu, soltando uma risada.

Acho que a palavra certa para descrever a reação de Jacob quando contei ser uma protestante seria essa: deboche.

- E desde quando você liga pra uma casa velha?

- É histórica. - Corrigi.

- Você odeia história. Reclama por não ter nada de novo.

- Não. Eu odeio a professora de história. É bem diferente. E, bom, não é tão ruim. Como compreenderíamos o agora se não fosse pela história?

- Desculpa, eu não consigo ouvir tanta hipocrisia.

- Hey! Não me chame de hipócrita! É você que finge o tempo inteiro só pra agradar as garotas.

- É diferente. - Disse ele - Espera um pouco. Você ta afim desse cara, não está?

- O que? Não! - Disse, fingindo estar perplexa. - Não. Qual é! - Ele me olhou com aquele olhar de "Comece a confessar" - Não! Não, não... Tá certo, há uma possibilidade. - Admiti.

- Eu sabia! A sua cara não esconde!

- Que seja. Eu vou protestar com o Rob, e aí ele vai ver que eu sou a mulher da vida dele.

- Que horror. Acho que vou vomitar. - Disse ele, debochando.

No dia do protesto, eu estava orgulhosa. Estaria lutando por uma boa causa junto com um bando de universitários e com o Robert. Mas não foi bem assim. Só dois dos amigos do Robert compareceram. Pareciam hippies e fediam.

Rob disse que os outros haviam ficado doentes, mas que não iriam desistir. Foi com um grito que ele se colocou na frente da casa com os hippies e me puxou junto, dizendo: "Viva à liberdade!". O que era meio estranho, afinal, o protesto não era sobre uma casa velha? Digo, histórica?

Se passaram duas horas e eu já estava cansada de tanto gritar pela liberdade de expressão (outra coisa sem sentido). Aqueles caras não eram humanos. Eles estavam ainda mais animados!

Quando vimos o trator de demolição dar ré, parar e o motorista sair de dentro dele alegando estar de saco cheio de protestantes, começamos a comemorar.

Era a hora. Robert se declararia pra mim. Nada melhor que uma casa caindo aos pedaços, digo, histórica e hippies como testemunha. Os planos ficaram fora do eixo. A polícia chegou. Qualquer cidadão de San Francisco sabe que, em sã consciência, a polícia odeia protestante. No caso, nós éramos os protestantes.

Quando minha mãe descobriu que fui presa, eu esperava por uma bela e bem merecida bronca. Àquela altura eu já desejava nunca ter conhecido Robert e seus amigos malucos. O que eu recebi foi um parabéns da minha mãe.

"Essa é minha filha!" foram as palavras exatas.

Concluindo, fomos libertados depois de pagar uma fiança de 100 dólares, tive que aguentar Jacob tirando sarro da minha cara e nunca mais tive coragem de dar as caras na loja de CDs novamente.

O protesto foi por água abaixo e eu percebi que a casa de 150 anos não era nada histórica. Era só uma residência muito, mas muito velha que já estava mesmo caindo aos pedaços.

Não sei quanto ao Robert, mas meus dias de protestantes terminaram.