Um dia, eu cheguei a Porto Alegre...
E a Porto Alegre eu cheguei forasteiro, pisando temeroso e inseguro o chão desconhecido da grande e ao tempo lindíssima cidade. Explorei cada rua do centro, desde o Parque dos Açorianos até à Rua da Praia, julgando silenciosamente cada pró e cada contra, em ordem a escolher a área mais habitável dentro do magro salário que me ofereceram, para onde depois trazer a minha pequena familia. Antes de mais nada, porém, haveria que encontrar um hotelzinho onde me instalar sozinho por um período que estimava em um mês, até que lograsse reunir as condições mínimas para a vinda das minhas meninas, a saber: A minha menina maior com 29, a do meio que completara 5 e a caçulinha ainda dentro da barriguinha da menina de 29.
 
Eu havia completado 31 e a minha garganta secava à angústia das incertezas, no momento em que me descobri em frente a um prédio antigo, de construção magestosa e que, muito apropriadamente, ostentava o letreiro "Hotel Magestic". Apesar do pomposo nome, era óbvio que aquela era uma hospedaria para gente como eu, de parcas posses e moedinhas contadas. Entrei, pois, dirigindo-me ao recepcionista que me informou ter sim um único aposento que me poderia alugar na base da mensalidade, mas pediu que esperasse um pouco até que um assistente chegasse e me conduzisse ao dito cujo, para que eu visse por mim mesmo se interessava ou não.
 
Um senhor, que encostado ao balcão da recepção folheava distraidamente uma revista, fez uma referência ao meu acento lusitano recitando algo a propósito e disse-me das vantagens de ali morar, das amizades que poderia fazer e do proveito que poderia tirar ficando em tão nobre área. O recepcionista reforçou o discurso dizendo: "O Poeta mora aqui há muitos anos e sabe exatamente do que está falando!". Sorri, pensando que ficaria por ali mesmo, enquanto alimentava a conversa com o senhor, poeta e escritor cujo nome jamais ouvira.
 
Não fiquei no "Magestic". O quarto ofertado foi uma decepção, pois era de fundos e apresentava evidentes sinais de mofo da umidade junto da janela, o que certamente me provocaria problemas respiratórios e, na minha situação, adoecer seria desastre inimaginável. Despedi-me do poeta, agradecendo penhoradamente sua atenção e oferta de amizade!
 
Quintana é um dos meus mais prezados nomes na Poesia e, não raramente, encontro-me por inteiro nos seus escritos, como se seus escritos carregassem um pouco da minha própria alma.

"Por acaso, surpreendo-me no espelho:
Quem é esse que me olha e é tão mais velho que eu? (...)
Parece meu velho pai - que já morreu! (...)
Nosso olhar duro interroga:
"O que fizeste de mim?" Eu pai? Tu é que me invadiste.
Lentamente, ruga a ruga... Que importa!
Eu sou ainda aquele mesmo menino teimoso de sempre
E os teus planos enfim lá se foram por terra,
Mas sei que vi, um dia - a longa, a inútil guerra!
Vi sorrir nesses cansados olhos um orgulho triste..."

Mário Quintana


"Cismo, observando a imagem
Que, cruel, o espelho de mim reflete!
O pior, é que a minha alma repete,
Todas as imperfeições dessa imagem...

Cismo então de Narciso me imaginar!
Minh'alma, mais gentil, me retocou
Todas as imperfeições e me deixou,
Por momentos, o próprio Narciso eu me achar!..."

Luis C Nelson



Luis C Nelson
Enviado por Luis C Nelson em 15/11/2009
Reeditado em 27/01/2010
Código do texto: T1924563