Lisboa, velha cidade...


                         Lisboa, velha cidade,
                         Cheia de encanto e beleza!
                         Sempre a sorrir tão formosa,
                         E no vestir sempre airosa.
                                     
                                        Amália Rodrigues

          No final da manhã, cheguei em Lisboa. 
          Pousei no seu aeroporto que, se não estou enganado, não mais se chama Sacavém. Não vi esse nome estampado na sua fachada, como das outras vezes que por lá estive. 
          Vinha eu do leste europeu; com passagem por duas importantes cidades daquele pedaço do Velho Mundo.
          Qualquer hora dessas, vou dizer qual a impressão que me ficou, tanto da capital da Hungria como da capital da República Checa. Por enquanto, direi, apenas, que são duas belíssimas metrópoles. Praga, às margens do Volga; Budapeste, cortada pelo Danúbio.
          Foi um desembarque demorado e cansativo. O meu avião não conseguira um Finger para despejar, nessa providencial passarela, seus quase trezentos passageiros. 
          Em um daqueles desconfortáveis ônibus cheguei à sala das esteiras onde minha mala, tonta de tanto rodar, já me esperava.
          Como desembarcara, vindo de outro país europeu, não fui incomodado pela exigente e desconfiada galera da Imigração.
          Queria dizer, que na maioria dos aeroportos da Europa, ou em todos, provavelmente, essa tal da Imigração é uma enorme chateação. O cidadão só embarca depois de ficar praticamente nu diante dos agentes da exacerbada fiscalização aeroportuária.
          Até prova em contrário, o passageiro é um terrorista. E para provar que não leva bombas ou explosivos na sua maleta, ele é obrigado  a tirar até o cinto da cintura.
          Vi muita gente com as calças na mão atravessando aquele infame portal que tem ojeriza a metal.
          E lá estava eu, novamente, na terrinha dos nossos irmãos portugueses e me lembrando do qeu lera nas páginas de 1808, o formidável livro do jornalista Laurentino Gomes contando como "Uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil".
          E viva D. João VI, cujo nome completo é João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís Antônio Domingos Rafael de Bragança.
Isso mesmo!
          Me hospedei em um hotel próximo ao Rossio e a dois passos da Praça da Figueira. 
          Mala no quarto, com vista para o Castelo de São Jorge,  e saí  procurando um caprichado bacalhau e um bom vinho do Porto  -  que depois vim a saber, que este vinho não existe. Assunto para outra crônica? Talvez. 
          Tive, então, a infausta notícia de que os restaurantes, em Lisboa, fecham  às 15 horas e só abrem às 18.  
           Diferente, pois, do que acontece na ex-colônia: no Brasil pode-se rangar a qualquer hora do dia e da noite, ainda que, vez em quando, o prato eleito chegue à mesa do freguês, visivelmente requentado. 
          Descobri, por acaso, numa rua que leva à Praça da Figueira, um restaurante infrator. 
          Sem dar pelotas para as normas vigentes, ele abriu sua cozinha, pondo-a à disposição do brasileiro faminto e agradecido, mas que aqui confessa ter gostado mais da cerveja do que da comida em si. 
          Tempo curto, não deu para ver ou rever as coisas interessantes, e são inúmeras, que a velha Lisboa tem para mostrar aos que a visitam.
          Desta vez, por exemplo, não fui à Torre de Belém e nem ao Mosteiro dos Jerônimos. Imperdoável, se aquela fosse minha primeira visita à terra de Camões e  Pedro Àlvares Cabral.
          Mas bati pernas pela Avenida da Liberdade, pela Rua Augusta, pelas Praças dos Restauradores e do Comércio, e pelas vielas acidentadas do simpático Chiado, local que ainda não conhecia. 
          No Chiado, está a homenagem dos portugueses a Fernando Pessoa. 
         No café onde ele se encontrava com artistas, estudantes, políticos e intelectuais, está sua estátua, tamanho normal, em bronze, aplaudida e respeitada pelos lisboetas e pelos turistas. Vale uma foto.
          Na Rua dos Correeiros, 222, paralela a rua Augusta, está o João do Grão. Pode até não ser aquêêêle restaurante, mas seu bacalhau, seu vinho, e a delicadeza dos seus garçons, fazem a diferença. Dá muito brasileiro.
          Perfeitamente recomendável. 
          Quis ver Lisboa do alto. 
          Tomei um bondinho, que o português chama de elétrico, e subi ao Castelo de São Jorge. Para adentrar (que palavra horrível!), tive que pagar um injustificável pedágio no valor de cinco Euros. 
          Do alto do Castelo, por entre suas ruínas, tive diante de mim, por algumas horas, Lisboa em três momentos: nos seu casario de telhas vermelhas; Lisboa beijada pelo mar; e Lisboa acariciada pelo Tejo. 
          Um ótimo lugar pra namorar. E muitos casais de namorados viram comigo um deslumbrante pôr-do-sol.
          Faltava o fado.
          Minha idéia era a de que, se o tempo permitisse, iria a uma Casa de Fado na Alfama e outra na Mouraria. 
          Terminei no Bairro Alto ouvindo, no Luso, o fadista cantar Saudades do Brasil em Portugal.  
          Impossível falar no fado sem lembrar Amália Rodrigues. Nas noites boêmias de Lisboa a gente acha que, numa esquina qualquer, a Amália pode aparecer, cantando:
          "Ai Mouraria/ Da velha rua da Palma/ Onde eu um dia/ Deixei presa a minha alma  -- Por ter passado mesmo ao meu lado certo fadista/ Da cor morena, boca pequena, olhar trocista.  --  Ai Mouraria/ Do homem do meu encanto/ Que mentia/ Mas que eu adorava tanto.  --  Amor que o vento/ Como um lamento/ Levou consigo/  --  Mas que ainda agora/ E a toda hora/ Trago comigo./  --  Ai Mouraria/ Dos rouxinóis nos beirais/ Dos vestidos cor-de-rosa/ Dos pregões tradicionais/  --  Ai Mouraria/ Das procissões a passar/ Da Severa em voz saudosa/ Da guitarra a soluçar."
          Atravessei o Atlântico, de volta para a Bahia, bolando esta crônica. Desejando - e me perdoem a pieguice - que ela, afinal, tivesse o sabor de um pastel de Belém.
 
    



                             
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 14/11/2009
Reeditado em 05/12/2019
Código do texto: T1923686
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