AMANHECER

O som lânguido do sino do alto campanário da igreja velha se espalhou pela praça vazia, percorreu as ruas do entorno e penetrou nas casas despertando os moradores para mais um domingo que ameaçava ser de sol forte.

As folhas secas destacadas das arvores, faziam rodopios no calçamento mal cuidado.

Um cachorro vadio levantou a cabeça e saiu de debaixo do banco, se espreguiçou e num trote breve foi para a porta da padaria onde um bêbado ainda dormia o sono pesado dos ressacados.

Passos apressados marcados pela cadência da batida dos saltos nas pedras, anunciavam que dona Maroca estava a caminho da igreja, impecável com seu vestido branco e a fita azul das pias filhas de Maria.

Era ela quem abria as portas do templo.

Era ela quem controlava a entrada dos fiéis.

Era ela quem determinava quais coroinhas iriam auxiliar na celebração.

Era ela quem recolhia as esmolas do ofertório.

Era ela quem lia a “oratio fidelium”.

Era ela quem iniciava os cânticos.

Era ela quem tocava a Serafina de fole acionado a pedais, cujo teclado de marfim estava amarelado pelos muitos anos de uso e sendo alisado pelos dedos sujos de tantos quantos, antes de dona Maroca, já haviam tocado nele.

O vendedor de cuscuz passou pela praça tocando seu apito característico. Tabuleiro de alumínio brilhante com o banquinho escanchado no ombro.

Oh! Diáaaaarioooo!

Gritou o jornaleiro carregando o enorme fardo dos jornais de domingo. Tantos cadernos...

Tantas notícias...

Tanta coisa boa e ao mesmo tempo tanta inutilidade publicada.

Mais tarde, sem ninguém ter lido, iria embrulhar pescado ou servir de papel higiênico num boteco salafrário qualquer.

O ronco de moto veio num crescendo ensurdecedor e passou pela praça numa carreira desembestada.

Logo atrás outra moto, agora policial, em perseguição, com a sirene ligada e a lâmpada vermelha, giratória, pregada num pequeno mastro na traseira do veículo, espalhando raios coloridos em todas as direções.

O bêbado levantou a cabeça, olhou em redor e tornou a dormir.

Os raios de sol brincavam festivos com as folhas novas no alto das arvores.

Um casal veio de bicicleta, sentou no banco da praça e abraçados, sussurravam palavras ininteligíveis.

Surgido do oitão da padaria, o empregado encarregado da limpeza com balde e vassoura na mão, despertou o bêbado, entregou-lhe uma sacola plástica contendo alguns marroques e o enxotou juntamente com o cachorro para bem longe dalí.

Depois de lavada a urina dos batentes, a padaria abriu as portas inundando a praça com o cheiro bom de café e pães quentes.

Os namorados se encaminharam para a padaria enquanto os raios do sol tocavam o chão.

Amanheceu.