Recordações da Mar
Uma graça, essa Poliana Okimoto. Ganha maratonas aquáticas e confessa que, não faz muito tempo, tinha medo do mar. Hoje se sente à vontade e até pensa em atravessar o Canal da Mancha quando parar de competir. Disso se conclui que o melhor é não ter medo do mar.
Aos 13 anos, eu cruzava o mar em cima de uma balsa em Porto Belo, litoral de Santa Catarina. Um guia explicava coisas, e eu tentava prestar atenção. No fundo, eu disfarçava. Temia que descobrissem o terrível segredo que há muito tempo carregava comigo: eu era o único ali que nunca havia visto o mar. Naquela época, começavam a me nascer os primeiros fios de barba e minha voz começava a engrossar, mas mar mesmo, eu nunca havia visto. E diante de tão humilhante falta, eu agora olhava o máximo que podia. A sensação era tão perturbadora, e a balsa balançava tanto, que o resultado natural foi um estômago embrulhado. Mas eu via o mar, e via muito.
Descemos e eu fui andar nas pedras à beira do mar - deste, mantive respeitosa distância. Não demorou até que eu escorregasse e machucasse a perna. Ver o mar pode ser uma experiência muito dolorida. E então eu voltei a seguir o guia. Fingi casualidade quando o mar alcançou meus pés. Não ousei me aproximar mais. Tive medo de alguma coisa qualquer, mas era um medo que fascinava.
Bem diferente daquele que me atacou quando fiz aula de natação. Pra mim, não havia muita diferença entre uma piscina e o mar. Tudo era água e tudo podia me fazer morrer afogado. Pouco importava que eu estivesse na parte mais rasa da piscina e de lá não saísse. Na primeira vez que entrei na água, tive calafrios - um pouco porque estava frio e eu vestia apenas uma sunga, mas um pouco por medo. E o contato inédito com aquela água me rendeu, no dia seguinte, a pior gripe que já tive.
Quando me acostumei com aquela parte da piscina, um instrutor - homem sádico - deu nova vida aos meus medos: queria que eu nadasse até a parte mais funda. Eu nadei, Deus sabe como. E mais de uma vez, mas sempre temendo. Sentia que toda vez que alcançasse a parede no outro lado eu acabaria perdendo o controle das minhas mãos, e então não iria conseguir me virar para voltar, e então eu me agitaria, o que é sempre pior, e afundaria. Cheguei, mesmo, a ter pesadelos com isso. Era um medo de menino que não conhece o mar.
Sou um homem da terra e, como tal, hoje louvo o mar e a água que não estão ao meu alcance. Recentemente, descobri que o substantivo mar é neutro na língua alemã - nem masculino nem feminino. Acho que está mais do que na hora de todas as nações do mundo entrarem num grande acordo que transforme o mar, de uma vez por todas, em substantivo feminino. Creio que estaríamos fazendo grande justiça, pois não consigo pensar em nada que se assemelhe mais a uma mulher. A mar. Faz todo o sentido e, além do mais, justifica todos os nossos medos. Afinal, a mar é mesmo coisa muito perigosa.