Para não dizer que não falei do muro
Eu era pequeno, no sentido de idade, e não lembro muito bem dos fatos, só sei que tinha um muro, bem alto. Estava parado diante dele, naquele longínquo novembro de 1989, como um tijolo, imóvel. Do outro lado, a utopia. O sonho rasgado pelas mentes limitadas que sempre se alçam ao poder, como castigo para os sem limites. Aquele muro era o limite. Intransponível. O mundo era dois, prestes a ser nenhum. Virar poeira estelar, ou quem sabe, mais uma estrela brilhante no universo. O que mais falam, hoje, já que não lembro bem, é que as pessoas do outro lado tinham limitações incríveis. Não tomavam coca-cola, tampouco um MC Lanche, e eram felizes, nós, do lado de cá, é que não sabíamos.
Acordamos para um pesadelo, dos grandes. O mundo era finito, principalmente, quando se tem gente demais, consumindo demais coisas absolutamente desnecessárias. Fizemos o mundo andar mais veloz, então imaginando torná-lo mais aprazível, e nos tornamos reféns das coisas. Perdemos o controle sobre nossas vidas, sobre nossos filhos, sobre os nossos limites. Partimos, não para uma liberdade, mas para uma libertinagem. Não é o comunismo que salvaria o mundo, tampouco o socialismo, mas não será o capitalismo ou a democracia. O nosso atual sistema é a hipocrisia. Derrubamos as barreiras, unimos o mundo de ponta a ponta, mas não salvamos o homem. O homem morreu sob o muro, ou talvez, já estivesse morto dentro do muro. Morreu a utopia.
Aumentou a tecnologia, aumentaram os meios, agora temos acesso a tudo, cada vez mais, informações, bens de consumo, e outras coisas também, mas nunca fomos tão sós. Acho que nunca estivemos vivos. Quanto mais pesquisamos de onde viemos, mais descobrimos que nunca saímos de lá. E a certeza maior é que não somos quem pensamos ser, e estamos longe disso.