O ESTOJO

Aconteceu numa manhã em que cheguei atrasada no trabalho, acontecimento raro, embora dependesse de ônibus e viesse de outra cidade. Quase corri pela avenida, mais rápida do que bala (mais perdida do que achada). Diante do edifício sede, diminuí os passos nas proximidades do portão de entrada. Se conseguisse driblar o vigilante, em breve, estaria diante do relógio de ponto, depois no elevador, depois...

Nem havia notado as pessoas que andavam em vai e vem pela calçada, muito menos aquela moça que estava parada no portão, segurando um vistoso embrulho. Ao ouvi-la gritar meu nome, estaquei assustada.

Dificilmente esqueço uma fisionomia, apesar de tantas desfilarem à minha frente. Parecia aflita, tentei lembrar seu nome, em vão.

Esqueci ser escrava de horário e trocamos um abraço. Sabia que fora minha aluna, mas, quando?

Ela percebeu, ah, devo ser transparente. Sorriu compreensiva, disse-me o nome para tirar-me da aflição.

Sem esperar por resposta, depositou o pacote nos meus braços ocupados por pasta, bolsa e sacola a tiracolo não necessariamente nessa ordem, objetos obrigatórios de quem sai pra trabalhar por todo dia, às vezes, também uma parte da noite.

Antes de abrir o presente, agradeci, sem ligar para os conhecidos que antes de ultrapassar o portão nos lançavam olhares curiosos.

- É um estojo feito de casca de coco polida. Arte dos detentos do presídio de Itamaracá – explicou-me, sem deixar de sorrir – Foi o meu marido quem fez. Achei tão bonito, pensei logo na senhora. Gostou?

Senti os olhos úmidos, feliz e triste ao compreender a sua delicada situação, implícita nas palavras.

Tão jovem e mulher de bandido. Afastei os pensamentos ruins, elogiei bastante o presente e lancei a pergunta de praxe:

- E você, Maristela, está trabalhando?

Devolveu-me a pergunta com novo sorriso, que iluminou o seu rosto de quase menina:

- Ainda não, continuo procurando. Obrigada, professora.

E assim nos despedimos. Até hoje, guardo como relíquia o estojo que ela me deu, quase em troca de nada. Nenhum convite para voltar, nenhuma palavra de fé na recuperação do homem que se tornara o seu, apesar de cumprir pena no presídio de Itamaracá, onde aprendera a fazer objetos de arte com casca de coco. Foi tudo tão rápido e inesperado...

MCC Pazzola