Porque um Taurino não pode se casar

Eu que não acredito em astrologia abri o jornal aquela manhã. Dizia que o amor sorriria pra mim. É uma aposta bastante otimista, mas os astros precisam ver melhor ascaretas que o amor anda me fazendo. "Amor". Definição estapafúrdia para algo simples e objetivo, mesmo que igualmente estapafúrdio. O sol da janela está me cegando, droga, preciso passar minha camisa. Ligar ou não ligar? Não ligar. Deixar curtir uma solidãozinha, deixa eu fazer o jogo difícil. Mas isso é papel dela. Mas ela não vai me ligar porque não teria pra onde. Ela não tem meu telefone. Mas sabe onde moro. Mas não vai lá porque o braço dela é intorcível. E eu preciso mesmo passar essa camisa. Parece que um velociraptor mastigou ela bem mastigandinho. Ontem fez frio e hoje eu acordei tão só...mais só do que eu deveria ou merecia. Disseram que eu aumento minhas probabilidades de desgraça com tanta ex-namorada. Não me orgulho muito disso não. As pessoas se assustam facilmente, ou eu sou assustador demais. Qual é seu signo? Qual é seu sexo? Que sangue você gosta de sugar? Esse teatro dos vampiros não vai cabar nunca. Tomo uma aspirina, mais uma, a terceira essa manhã, e a dor de cabeça não pássa (e solidão não cura com aspirina. Tanto que eu queria o seu amor, tanto amor em mim e em ti nem tanto). O Zeca Balero preenche a sala até o teto, e eu fico no chão miudinho, bem pequeninho. Sou do tamnho do que vejo. Nós somos do tamanho de nossos sonhos. Augusto Cury? Auto-ajuda agora? Não, melhor passar logo essa camisa. A casa fica pequena só comigo. Onde está agora meu ego grandão pra ocupar todo esse espaço frio? Tá por aí sei lá onde.

Hoje é quarta-feira, o meio da semana, e eu já morri duas vezes de tédio. Metralhadoras imaginárias. Granadas de concussão descerebradas. Atentados terroristas. Camisinhas pra razão. Pseudonamoradas.

Não consigo respirar assim, como se houvesse facas no ar. Melhor trocar o disco. Sái o Zeca, entra o Oswaldo Montenegro. Fácil trocar um disco. Fácil como amar alguém. Porque não faço isso mais vezes, e porque raios eu não amo niguém? Tá quase, falta só isso aqui. conheço esse filme. Eu conheço a pessoa, me construo, depois eu me desmonto quando a pessoa se desmonta eu me desmonto também, daí a pessoa se entrega e quando ela se entrega eu já me entreguei faz tempo e tô apaixonado. Merda de ócio esse. Cadê o inútril daquele ferro? Passar roupa, me concentrar numa atividade mecânica.

Onde foi parar a minha língua atrevida? Os deuses gregos e a vaca da Perséfone? Ao menos ela poderia estar aqui, não? Já assisti todos os meus filmes denovo, de todos os gêneros que disponho na estante, o que me obrigou também a rever Alice no País das Maravilhas. Vou tomar meu Diempax, meu Vallium 10 e outras pílulas mais. Nove horas da manhã eu recebo no espeto um Criptanol 25 e vou dormir quase em paz. Quase.

O Bob Esponja me acorda com aquele riso escrachado.

Aquele livro do Voltaire está me enchendo o saco. Que escroto de emo ele é. Igualzinho o Schopenhauer e aquele existencialismo juvenil. Embora esse texto seja também um existencialismo juvenil. Melhor parar de pensar nisso e ir de uma vez por todas passar aquela maldita camisa. Vou usá-la hoje à noite, isso SE eu ligar pra ela.

Vá, se mande, junte tudo o que você puder levar. Deserte-se, alforrie-se. O que temos além de uma certa liberdade condicional? Pule fora, essa bacaça vai afundar logo, logo. O vagabundo continua esmolando pela rua e ela se irritou com o Fusca ao invés de comentar a música. Será que ela não leu? Será que o imbecil aqui não foi SUFICIENTEMENTE CLARO?

Concentre-se e passe essa camisa. Minha mente gira como um ventilador. Eu poderia dizer que são os remédios, mas tudo que tomei foram 40 gotas de dipirona sódica. O saco de tudo isso que o corpo fica letárgico. Tomo o café que já está esfriando no copo e começo a passar a camisa.

Onde estava?

Ah, se mande. Isso. Se mande pra bem longe. Contrua seu tem´plo longe da terra e do mar. Peça ajuda a Freud Flinstone. Acenda uma vela, convoque pra festa seus melhores Exús. Mande macumbas por e-mail (Já pensou um Pai de Santo baixando em banda larga?). Espalhe seu câncer, espalhe água. Aí quando estiver cansado, volte. Voe por todo o universo e volte aqui. Aqui tem café, baby.

Quando bola da vez rolar, eu desligo o telefone que ainda não liguei só pra te avisar: Vou pra casa, dormir e descansar, ficar em casa, em silêncio, só ficar. Meu disco rígido é maior que o seu, minha lma derrete aço. Só não derrete pedra e eseu coração não parece ser feito de outra coisa. Porém, não vou mais me lamentar. Um taurino não pode se casar.

Pode parecer que esse texto é para alguém específico, mas de fato não é. E poderia? Quem seria? Fantasmas assolam minha vida, dúvidas avacalham meu status quo. Quem mais eu gostarioa de ter ao meu ladinho nessa e na próxima estação?

À merda. Não estou conseguindo ser o canalha cafajeste que sempre fui e estou entrando em desespero. Deve ser praga de alguma mulher invejosa que eu andei merdificando. Não estou conseguindo ser quem eu sempre fui, o canalha supérfluo, e isso me deixa nervoso, muito nervoso, e vou continuar escrevendo até não aguentar mais ou meus dedos sangrarem. E você vai chover em mim até trovoar contâiners. Tenho muito pouco medo da chava.

Mas tenho medo de morrer de sede. A sede é algo que me mata. Então embebedai-vos! Saciai vossa sede de amor! Conquistai o coração do patife!. Não será tão fácil nem tão impossível, e meio caminho já está andado, falta só ficar quietinha ao meu lado cantarolando algo que me faça dormir.

Se esse texto é pra você?

Ora essa, isso é um texto. Esse texto são para todos.

Mas talvez seja pra você. Então uma dica: Olhe-se no espelho. O que vê? Um sorriso, duas covinhas, cabelos castanho escuros e um olhar matreiro?

Olhe de novo: O que vê?

Maldade. É disso que estou falando. Não é de amor nem de sexo, é de maldade. Gosto de sangue no asfalto, gosto de venenos lentos em frascos de analgésicos.

E quando eu não sou vilarejo, sei que sou maior que o mundo.

Quer chover, chuva? Então trate de chover que nem hômi. Hoje está frio e não vou sair de casa. O café esfriou na mesa, você ficou de voltar antes que eu sentisse a falta (antes que faltasse o ar). O cantainer voou razante pra me bombardear, e a noite foi um inferno (desespero te esperar). Não vou sair de casa, vou trancar a porta que você deixou aberta ao sair. Ou me livro de você ou me apaixono perdidamente. Só não sei qual dos dois seria pior.

Só sairei daqui à noite, talvez.

Isso é, se eu conseguir passar a porra dessa camisa.

Felipe Lacerda
Enviado por Felipe Lacerda em 13/11/2009
Código do texto: T1921563
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