Um pássaro passou por mim
Ia a caminho do trabalho, uns dez minutos para sete horas da manhã. Nada na cabeça, apenas uma vontade ferrenha de chegar logo. Às vezes meu olhar se perdia na triste cena que é observar o desmatamento criminoso das preciosas carnaubeiras. A terra sendo dessecada e exposta a toda intempérie da natureza.
De repente no meio do vazio... Zás! Um pássaro passou por mim. Alçou seu voo intrépido na magnitude azulada do céu. Fiquei maravilhada a observar aquela ave voando. Suas asas planavam majestosamente, teciam círculos imaginários e flutuavam senhoras absolutas do ar. Era um espetáculo ver aquelas asas dando suporte ao pequenino corpo que resplandecia diante dos raios dourados do sol.
Desejei ardentemente ser aquela ave no céu! Poder voar e abraçar o infinito! Tudo parecia tão perfeito! Parecia tão bom mergulhar na atmosfera gasosa e misturar-se com o ar!
O pássaro dava a impressão de que absorvia e era absorvido pelo vento.
Parei por alguns instantes de pensar na minha pressa e no meu trabalho que me aguardava.
Estarrecida igual uma criança, a boca aberta e os olhos brilhando, tentei voar em pensamento junto com a pequena ave. Imaginei-me nadando no mar celeste, livre da prisão de ficar amarrada ao chão. Flutuei com um corpo leve como a pluma. Senti o vento tocar carinhosamente as minhas faces, tornando-as vermelhas e geladas. O céu transformou-se em um castelo mágico e seus alicerces dançavam um balé acrobático em companhia das vaporosas nuvens. A atmosfera tocava uma sinfonia invisível e doce. Minhas mãos podiam tocar as estrelas e eu conseguia catá-las como se fossem conchinhas do mar. Através do meu sopro poderoso fiz o buraco negro desintegrar-se totalmente. Fios negros e delgados foram engolidos lentamente por todos os planetas (os conhecidos e os desconhecido).
A via-láctea me convidou para disputar uma corrida com o cometa campeão das galáxias e eu aceitei. Minhas asas imbatíveis voaram uma velocidade impossível de se calcular (aqui na terra, é claro!). Saí vitoriosa e o prêmio foi uma taça de sorvete oferecida pela lua.
Ainda saboreava minha vitória, com o corpo leve absorvendo o fluxo energético cósmico quando senti o estalar de uma mão batendo com força no meu ombro esquerdo:
- Vai descer do carro ou ficar aí sonhando acordada?
Desci literalmente do carro e do meu sonho, contrariada. Hora de voltar para a terra e para os compromissos que não esperavam lunáticos.
Da fantástica aventura realizada em pensamento restou a única realidade: Um pássaro havia passado por mim...