A PAULADA

Esse caso parece coisa de romance, mas, por incrível que pareça aconteceu de fato.

Aconteceu com um primo de meu pai.

Morava no Rio de Janeiro em prédio de apartamento. Saiu certo dia com a filha para diversos afazeres. Chegaram em casa na “boca da noite” como se diz.

Enquanto aguardava na frente da garagem que o mecanismo eletrônico abrisse o portão, um sujeito armado o abordou e mandou que saísse do carro. Era um assalto!

Apavorado e também preocupado por causa da filha moça, saiu de traz do volante e a mando do ladrão, permaneceu ao lado da porta enquanto o dito cujo ordenava à mocinha que saísse de seu lugar na frente e se sentasse no banco traseiro. Só por essa ordem meu primo percebeu que a intenção do homem era levar o carro e a filha também, talvez ele próprio.

Aproveitando-se da distração do cujo enquanto olhava a moça se locomover, meu primo pegou um pedaço de pau que sempre trazia ao lado do banco do motorista e bateu com toda a força que seu pavor mandava, uma bela paulada na cabeça do homem.

Ele caiu incontinente, parece que apenas esboçou um gemido meio apagado.

Mais que depressa, arredou o corpo para mais longe do carro e, depois de estacionar na garage interna, acionou o controle remoto e subiu para o apartamento.

Não sabia o que fazer. Não sabia se tinha matado o homem, se tinha somente ferido. Pensou em telefonar para a polícia, mas se conteve. Afinal, se tivesse matado, seria um transtorno enorme tudo o que viria depois. E será que acreditariam nele? Pelo que sabia, ninguém tinha presenciado o incidente, não vira ninguém do prédio ou mesmo passando por ali naquela hora.

Não vamos julgar o certo ou o errado. O que importa é que o pânico de que estava possuído e o estado traumático que via estampado no rosto da filha, o fizeram se calar.

Tomaram um lanche leve e rápido, deu um calmante à menina e foram se deitar. O cansaço acabou por fazê-los dormir. A noite passou cheia de despertares assustados. Várias vezes foi ver a filha, porém o calmante tinha feito bem a ela e dormia profundamente. Menos mal.

No dia seguinte, olhou da janela para baixo, nada conseguia ver. A marquise impedia a visão da entrada da garage.

Pelo interfone perguntou ao porteiro se tudo estava bem. Sim, estava.

- Nenhuma novidade?

- Não senhor, porque pergunta?

- Por nada, por nada.

Não acreditou. Desceu, parou um pouco na portaria. Foi até a calçada, olhou de um lado, olhou de outro. Foi exatamente no lugar onde tinha deixado aquele corpo estendido. Nada, nenhuma marca aparente, nada de sangue. O porteiro ainda lhe perguntou se tinha perdido alguma coisa.

- Não, nada. (Como posso dizer que perdi um corpo?).

Deu uma desculpa qualquer. Pensou que tinha perdido algo (um corpo?), mas com certeza estava lá em cima no apartamento, (o que, o corpo?).

- Mas o que o senhor perdeu?

- Ora, uma coisa minha. (Não, o corpo não era o meu, decididamente).

Para cada resposta que dava, encaixava em pensamento a palavra - corpo - e sentia um calafrio!

Subiu, a filha continuava dormindo.

Sentou-se perto da janela e ficou um tempão imaginando o que fazer. Se o corpo tinha sumido com certeza o cara tinha acordado do desmaio e se fora, ou alguém o tinha encontrado e chamado a polícia. A polícia viera e levara o homem: vivo ou morto?

Se vivo, contaria na delegacia o que acontecera? Diria com certeza que tinha sido agredido num assalto, só podia ser isso.

Se morto, nada contaria, lógico, mas aí a polícia ia fazer um monte de investigações nas vizinhanças do local. Alguém viu alguma coisa? Ninguém escutou nada? Onde você estava naquela hora?

Aí sentiu um frio na barriga. Outra idéia veio se instalar no seu cérebro já tão confuso. Pensou:

...E se o cara tinha acordado do desmaio e estava vivo, vivíssimo, escondido em algum lugar curando-se do belo galo na cabeça? E se depois, enraivecido pelo assalto frustrado e pelo calombo na cabeça, viesse se vingar de alguma forma dele ou de sua filha? Não sabia em qual apartamento morava, contudo isso era o de menos. Podia ficar por ali nas redondezas esperando que ele saísse de casa ou mesmo aguardando oportunamente que entrasse para lhe dar um tiro, assaltá-lo de novo, pegar sua filha, fazer alguma coisa hedionda com eles dois.

Não viu outra saída: tinha que se mudar dali o mais depressa possível. Iria para um hotel com a menina e de lá negociaria o apartamento, compraria outra moradia em um bairro completamente oposto àquele. Não, teria que mudar de cidade, iria para sua terra natal, lá era bem longe, nunca o ladrão iria encontrá-lo.

Que tristeza! Deixar para traz tudo o que tinha construído com tanto sacrifício. Levantou-se, sacudiu a cabeça como para deixar cair aqueles pensamentos aterrorizantes. Era o que faria.

Foi um transtorno muito grande arranjar desculpa junto aos amigos e vizinhos para aquela mudança repentina. Deu desculpa de doença, de mudança de ares para a cura e foi para um hotel. Um amigo de confiança se incumbiu de vender o apê. Depois, lá se foi ele e a filha para a cidade natal.

Nunca vai saber o que de fato aconteceu com o homem e tudo isso por causa de uma simples paulada!

Rachel dos Santos Dias
Enviado por Rachel dos Santos Dias em 13/11/2009
Código do texto: T1921400