MEUS SAPATOS


Adoro sapatos! Parafraseando Martinho da Vila, já os tive de todas as cores, de todos os amores!E ainda tenho... Dezenas... Comprados a esmo, por impulso, para combinar apenas com uma roupa, por puro prazer de ter e sem roupa para combinar! Dizem que pareço a Imelda Marcos, esposa de Ferdinando Marcos, ex-ditador das Filipinas que após a queda do governo do marido, teve sua vida devassada em todos os detalhes; até mesmo seu guarda-roupa, que revelou conter centenas de pares de sapatos, símbolo de poder e desrespeito aos filipinos sofridos, em época de despotismo.

E, falando em ditadura, penso em meus sapatos... Teriam eles significado tirânico ou libertador em minha vida?Seria esse pensamento, coisa de quem não tem mais nada para pensar? Mas penso, logo existo, diria Descartes... E pensando, pensando, vou cismando por esse mundo de Deus, e lembrando minha infância, quando tive de usar botas ortopédicas, para "andar direito"... É... Se Freud não explica, tenho eu mesma de tentar resolver meu enigma.

Andar direito... A mais dura ditadura, nos pés reais e nos "pés" emocionais... -Essa menina tem pernas tortas! - dizia minha mãe aflita. E aí que me revejo, menina, mocinha, adulta, "quase" velha, andando com meus pés tortos tentando endireitar o mundo... E bota botas para embotar o pensamento, corrigir caminhos, retificar direções, nem sempre opções minhas. Mas vamos lá que a vida é curta e tudo passa como já passou...

Fico pensando nas fortalezas que criei, nas raízes profundas que lancei para poder suportar toda a andança por caminhos ásperos, perigosos... E como árvore ferida, poder me manter viva e ainda ousar lançar novos brotos, tímidos, mas insistentes, para mostrar que lá no fundo, ainda vivo e sei fazer nascerem novas sementes.

As botas de ferro para consertar meu destino, fincaram profundas raízes, que hoje me mantêm íntegra e altaneira. Não importa o preço pago por existir assim, foi assim que ME criei, e foi assim mesmo que me fiz forte para recriar a fonte inesgotável da alegria dentro de mim. Transmutei o velho em novo. Renasci das cinzas.

Tudo isso, por causa dos meus sapatos, mania de hoje, símbolo da minha liberdade conquistada. Hoje, sapatos coloridos levam-me aonde quero com quem desejo, para onde decido... Libertei os pés ou aprisionei-me em mim mesma?

Tento, em vão, responder a pergunta. Não sei... Acho que nunca saberei direito se meus pés me levam para lugares certos ou incertos... Mas hoje sei que hoje posso optar por usá-los "subindo no salto", ou mesmo decidir se fico descalça e corro livre para onde até Deus duvida!

Benditas botas, benditos saltos, e benditos pés descalços!