Mundo estranho, esse meu apartamento...

Sabe, sou velha. De nascimento. Minha sigla "V.C.", de "Voo do Corvo", deveria significar "Velha & Corcunda".

De tanto digitar sentada na cama, minha coluna tá pedindo "arrego". Ela já é "escoliosada" por natureza, e eu a ajudo a ficar mais tortinha. Tive que me mudar pra cadeira de balanço (não sei por que nosso apê tem uma, mas não reclamo) pra ver se melhora.

Meus joelhos já são velhos de nascimento, estralam sempre e dóem quando querem.

Agora fui bocejar, o bocejo entalou na garganta e me deu torcicolo. Nem eu entendi como consegui essa proeza...

Confesso que às vezes me acho estranha, Sou capaz de façanhas que até eu me surpreendo. Pra meu consolo, basta apenas eu observar meus co-inquilinos por alguns minutos e percebo que sou tão normal quanto eles.

Um dos co-inquilinos hoje esqueceu uma garrafa de refrigerante no congelador. 2l de gelo preto engarrafado! Eu achei legal, gosto de brincar com gelo, apesar que anda muito frio pra fazer isso...

Mas acho que o rapaz não compartilha o gosto pela brincadeira. Deixou a garrafa de castigo do lado da geladeira (!)(se fosse ATRÁS, faria algum sentido...). O refri, só de birra, não quis descongelar.

Achei que meu co-inquilino tivesse desistido, ao vir à cozinha e não ver mais a garrafa. Entretanto, foi só eu me sentar que a vi posta de castigo em frente ao aquecedor...

E ela? Nem suando frio! Teimosa essa menina! Capaz de amanhã ainda dar "oi", provocante!

EU, se fosse ela, não faria isso. Conhecendo meu co-inquilino, e suas "saídas geniais", capaz de, vendo o gelo teimoso, resolver cozinhar a garrafa...

O outro co-inquilino é mais esperto. Nem compra refri pra não ter esse problema.

Brincadeira. Na verdade, ele é mais saudável: prefere suco. De pózinho. (!)(aqui eles chamam de 'chá').

Estou sendo injusta. Não posso reclamar dele. Sempre me ajuda bastante. Por exemplo: eu escrevi uma crônica entitulada 'Aiaiai, bagunça!', que retrata bem o estado da minha mesa. A situação dela anda tão crítica que meu co-inquilino disse que ia me ajudar: um dia trouxe um aerosol de desodorante vazio e disse: "Quero ver quanto tempo vai durar até você jogar fora!" Bom... Eu não contei quantos dias se passaram, mas acho que ainda está lá perdido em algum lugar... Pelo menos os encartes de supermercado, que ele larga propositalmente em minha mesa só pra aumentar a pilha de bagunça, eu jogo fora. Já é alguma coisa, acho...

Uma das últimas co-inquilinas que passou e foi embora era misteriosa: tinha metabolismo de cachorro. Estou falando sério. Teve um dia que a gente acompanhou o horário dela, por curiosidade: acordou 5h da manhã, estudou até às 8h, foi dormir. Acordou às 11h, tomou banho, comeu, foi pra aula. Chegou da facul lá pelas 17h, comeu, foi dormir. 21h acordou, estudou um pouco, ficou navegando na net, batendo papo, comeu, assistiu vídeos até umas 3h da madrugada e foi dormir pra acordar às 7h.

Não era rigorosamente sempre os mesmos horários, mas sempre dormia picado, acordava numas horas estranhas, dormia numas horas estranhas. Mas quem sou eu pra reclamar de "horários estranhos"? São 3h e eu ainda acordada, sem sono...

Quem pode dizer isso é uma outra co-inquilina, que já foi embora. Às vezes ela voltava tarde, chegava 4h, 5h da manhã, pé ante pé tentando não acordar ninguém, e me descobria ainda sem sono. "Mas você não dorme??" E aí já acendia a luz do quarto, não se preocupava em fazer silêncio, esquecendo-se que no quarto do lado tinha gente "normal" que dormia... No quarto ao lado, no vizinho de baixo, no andar de cima... Ah sim, o vizinho de cima que aaaama a gente...

Apesar das nossas peculiaridades, nunca tivemos problemas. A gente dá risada das trapalhadas e incompatibilidades de gênios e hábitos, mas faz parte.

Talvez pelo fato de sermos todos estudantes longe de casa, tendo que nos virar em tudo, com a casa, com a facul, com a burrocracia italiana (que foi exportada pro Brasil, segundo me consta), não nos permite agir de forma individualista.

Essa é uma experiência muito boa que eu vou levar de volta comigo, e fico imaginando que é uma oportunidade que todo jovem deveria poder vivenciar, a de ser um estudante estrangeiro.

(Como sei que nem todos têm essa oportunidade, sinto-me grata por todos que fizeram disso possível, principalmente meus pais, que acreditaram em mim mais do que eu mesma.)

Voo do Corvo
Enviado por Voo do Corvo em 13/11/2009
Código do texto: T1920714
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