PALÍNDROMO MUSICAL

Todos hão de concordar que o palíndromo enquanto palavra, ou mesmo frase, é algo pouco comum. O que dizer então de um palíndromo musical?

Confesso nunca ter ouvido falar de tal façanha até assistir, na última terceira-feira, a um concerto na Sala Villa Lobos do Teatro Nacional Claudio Santoro, em Brasília. No programa a Sinfonia n° 47 de Josef Haydn, composta, em 1772, em quatro movimentos: Allegro; Un poco adagio, cantabile; Menuet-Reverse e Finale-Presto assai.

Antes de iniciar a performance, o maestro Roberto Tibiriçá dirigiu algumas palavras ao público presente. Falou da genialidade do compositor e preparou a platéia para a maravilha que se seguiria. Esbanjando criatividade, Haydn compôs o terceiro movimento da sinfonia, um minueto, de forma inusitada. A partir da metade do movimento, inverteu a ordem das notas de trás para frente, compondo um autêntíco palíndromo musical. Para os ouvidos menos atentos, o maestro sinalizou o momento em que começaria a inversão. O efeito foi extraordinário e a plateia delirou.

O jornalista e crítico musical João Marcos Coelho chama a atenção para um fato interessante. Haydn foi esnobado pela opinião publica internacional dos ultimos dois séculos. Consideraram-no apenas um predecessor talentoso de Mozart e Bethoven. Entretanto Johannes Brahms, compositor reconhecido como um dos mais rigorosos do século 19, teria dito a respeito de Haydn: "Que homem! Perto dele somos pobres diabos!".

Nas palavras de Coelho, "é dele (Haydn) o mais imponente conjunto sinfônico da história da música: 106 obras que condensaram um tipo de música que estava no ar, mas ainda não havia sido codificada. Ouví-las equivale a assistir ao parto da sinfonia, seu crescimento e climax, sobretudo nas doze monumentais sinfonias londrinas finais. Ele desenvolveu e codificou a forma em quatro movimentos, que prevalece até hoje; e além disso estabeleceu os parâmetros instrumentais da hoje familiar orquestra sinfônica clássica. É muita coisa, E coisa de gênio", conclui.

Felicidade minha poder assistir a uma dessas maravilhosas sinfonias executada pela Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro. Justo aquela do palíndromo a que me referi no começo da crônica. Diante de tanta beleza e perfeição, não resisti a partilhar com os poetas e amigos do Recanto a emoção daquele momento raro.