VAI-VEM
Apesar da velocidade e facilidade que os emails oferecem para se comunicar, gosto de enviar e receber correspondência por envelopes. Eles despertam em mim algo especial, a começar pelo som ao soltar suas abas, e quando é segredo seu conteúdo, abrí-los é quase um ritual. Entretanto, como os telefones públicos e outras utilidades, eles também estão entrando em desuso, acrescentando uma sensação de saudade ao vê-los vagando de lá pra cá.
Na empresa que trabalho vejo ainda circulando os úteis VAI-VEM, feitos de papel resistente para durarem 120 viagens. Há poucos dias vi um destes “heróis da resistência” chegar às mãos de uma colega do setor. Preso em seus dedos estava o VAI-VEM, no seu rosto ares de admiração mesclado com ternura, na sua boca uma sugestão: “Heron, escreve sobre isso”. A inspiração despertou como de um sono.
Aquele envelope, com quase todos "de-para" preenchidos já tinha feito pelo menos 112 viagens, faltando apenas 8 para se aposentar. A quantidade que carregava de rugas e marcas não era muito menor que as perfurações dos grampeadores. Enquanto eu olhava o estado geral do VAI-VEM, minha colega ia mostrando nele o nome de pessoas que já passaram pela empresa há uns 5 anos. Seu dedo não apontava apenas um nome de remetente ou destinatário, mas um quadro que foi pintado ou uma janela construída nem tão longe e nem tão perto no tempo.
De "cá-pra-lá" e de "lá-pra-cá", cada VAI-VEM, como numa mostra itinerante do tempo continuará suas viagens de porto em porto declarando as trocas entre as pessoas. Com certeza eles não dirão se perguntarem, mas escondem em suas dobras e rugas os sentimentos e palavras dos que os enviaram e receberam.
Gostaria de algum dia erguer um cálice a um desses VAI-VEM utilizados até o fim. Muito mais, almejo ser como um deles, com todo potencial consumido em sua jornada. Seria um privilégio desfrutar vazio como eles a aurora dos meus dias, sem mais o que dar, tendo na mente a mesma frase de Paulo, veterano e inspirado escritor da fé cristã: “combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé”.