Discípulos de Pilatos
Não sei se já acontece com você, porém se somos advindos da mesma essência e comigo vira e mexe isto volta a acontecer, devo pensar que sim.
Penso que a mesma sensação de fracasso deva lhe apossar ao deparar-se com as notícias cada vez mais escabrosas que as emissoras de TV e os jornais fazem questão de mostrar.
Evito assisti-las ou lê-las diariamente, pois quando não me tiram o apetite, me roubam o sono. Mudo de canal, evito aqueles que descobriram nas tragédias da vida um grande filão comercial. Nego o desprazer de saber que a vida não é feita apenas de afortunados saudáveis e educados cidadãos. Cerro as cortinas do mal do mundo, porque chorar na platéia não vai mudar os números da falência social em que vivemos. Da chacina silenciosa, mas não menos aterrorizante. Do holocausto soturno que devasta aos poucos, mas não é menos cruel.
Mas, é aí que me sinto falha. Que aquele zero à esquerda encarna em minha pessoa, tornando-me completamente insignificante, mas não menos atroz.
Cruzar os braços é um gesto tão simples. Poderia dizer que é o mais inocente dos gestos, pois significa exatamente não fazer nada. Nem de bom, nem de ruim. Mas sei (no âmago da minha consciência), que é esta atitude dos fracos.
Sinto-me fraca! Mais do que fraca, sinto-me traidora, mentirosa e hipócrita!
Quem, a não ser uma pessoa com estas características, poderia ir levando a vida fingindo que está tudo bem? Atribuindo a responsabilidade aos governantes corruptos, aos policiais corrompidos, às escolas falidas ou (o que é pior) aos próprios vagabundos que resolveram cheirar cocaína ou fumar crack, por não ter mais nada a fazer.
Que bom que existem as desculpas. Como é reconfortante deitar sobre o travesseiro da inocência de Pilatos. Afinal, cruzar os braços não lhe lembra outro gesto? Como o deste cara que, simplesmente, lavou as mãos?
“Ah! Mas se tratava de Jesus, o filho de Deus.” Mera hipocrisia, meus caros. O Cristo veio aqui exclusivamente ensinar que somos tomos irmãos. Mas preferimos crer que os desgraçados da vida sejam ilegítimos.
Não, não acho que devemos entrar nas favelas e trazer seus habitantes para morar em nossas casas. Eu mesma não teria este desprendimento, esta coragem, esta grandeza. Apenas percebo que algo está errado. Sinto que falta a minha mão nesta obra falida. Faltam os meus passos nesta caminhada obscura. Falta a minha força nesta sociedade aterrada.
Não sei se isto também acontece com você... Preciso crer que sim! Quero crer que não seja a única. Que existem muitos iguais a mim, prontos a descruzarem os braços e sujarem as mãos para remodelar este mundo, pois não vejo outra saída.
Léia Batista
( Crônica publicada no Jornal Semana News - Araranguá SC)