O APAGÃO DO "BEIRA-MAR"
Ontem boa parte do Brasil se viu às escuras e em certos momentos muitas famílias sentiram aquele medo do "breu total" que por vezes nos incomodava na infância. Hoje, esse medo já não é mais específico dos tempos de criança, pois as ruas e até nosso lar se encontram inseguros em face à tanta violência e tanta bandidagem que campeiam nossas sociedades como um todo. Assim, perder a claridade artificial por algumas horas significa que nossos corações se enchem de temor, fazendo-nos refletir sobre a nossa dependência sobre a energia elétrica, já que quando não a tínhamos em abundância no passado, sempre preservarmos em um lugar fácil, uma lamparina, uma vela, um lampião ou uma lanterna que sempre eram acionados em momentos críticos, já que há qualquer momento poderíamos estar sem luz artificial.
Assim, a exemplo de ontem, o Brasil se voltou para o escuro e sentiu todos os temores que uma situação desse porte pode causar no íntimo das pessoas. Nós, aqui em Campo Grande-MS, tínhamos uma razão muito maior para sentirmos esse medo e havia razões de sobra para que temêssemos um mal maior, além do simples desaparecimento da luz artificial. Ocorre que no mesmo dia do desaparecimento das luzes da cidade, o bandido mais temido da atualidade; nada mais nada menos do que Fernandinho "Beira-Mar", estava sendo julgado em nosso Fórum local. As notícias dos jornais locais enfatizavam o aparato policial e todos os percalços para a cidade, eis que tal julgamento trouxe prejuízo para a comunidade de uma forma geral, pois tornou intransitável algumas ruas principais da cidade, em face a atuação da Polícia Federal que tratava de dar suporte ao trânsito do comboio que trazia o dito marginal para o julgamento.
Em face a todo esse alvoroço, formou-se no seio da população um sobressalto natural, até porque tal reforço policial e tanto zelo no recambiamento de um preso, leva a crer que a qualquer momento pode surgir um fato novo que torne ainda mais pesarosa a função da Justiça em manter a prisão de um bandido tão perigoso. Assim, quando as luzes da cidade se apagaram não havia uma só pessoa que não pensasse que as organizações criminosas lideradas por Fernandinho "Beira-Mar" poderiam estar realizando uma "mega operação" de resgate do seu líder. Daí a explicação mais ponderável naquele momento, para que a Cidade Morena ficasse no escuro total, até porque estamos numa semana em que a lua está escondida na sua fase negra e tudo conspirava para uma guerra urbana entre bandidos e a polícia armada.
Felizmente, tudo não passou de um grande susto. Ainda não se tem a explicação certa para um apagadão de tamanha extensão, pois dizem que atingiu nada mais do que 07 Estados da Federação. Os fantasmas rondaram as grandes cidades e só se via alguns faróis de veículos perambulando pelas ruas, além de alguns fachos de lanternas e a busca pelas velinhas que ficam nos armários para uma ocasião desse porte.
Lembrei a meus filhos que num passado não tão distante, quando vivia numa cidade interiorana que ainda não tinha sido contemplada com a expansão elétrica, em certos momentos ficávamos reféns das noites escuras e para fazer frente a essa dificuldade, sempre havia em nosso "embornal" uma ou duas velinhas que eram colocadas nas quinas das carteiras para que pudéssemos dar continuidade às nossas aulas noturnas.
Entretanto, para alguma coisa o apagão do "Beira-Mar" serviu, ou seja, para que as pessoas possam refletir e assim entender que nosso mundo não é tão simples como imaginamos, pois as comodidades que aprendemos a cultivar com o progresso, podem ter um momento de estagnação e aí ficaremos completamente aturdidos, pois hoje (na maioria das vezes) vemos a noite como uma sócia do dia e não a valorizamos como um elemento de autonomia que foi criado para que possamos descansar e cerrar os olhos para que quando vier o dia possamos estarmos inteiros e aptos a enfrentar a labuta diária.