Te amo!!!!!!!!!!!
Rosa Pena
Tereza me ligou. Sua voz traduzia desespero.
Decidida a separar-se, depois de vinte e cinco anos de casada. Decidida pela vigésima vez. Sempre por brigas inúteis, infantis, nunca nada sério.
Disse que iria avisar aos filhos, irmãos, sogros... De novo? Lembrei-me do povo da net que se despede semanalmente, diz adeus e no dia seguinte volta a postar.
Falei com ela sobre este fato, o mico que se paga. Pedi que refletisse, ponderasse e perguntei o essencial... Ainda ama o Guilherme?
— Sei lá, isto nunca foi importante, mas não suporto saber que ele é um galinha.
— Tem provas da galinhagem? — perguntei a ela.
— Não concretas, pois os homens de hoje em dia não chegam mais com camisas manchadas de batom, nem cheirando a perfumes baratos. Não tenho vestígios, mas tenho indícios...
— Que indícios?
— Ele anda felizinho demais da vida, com toda a crise do Brasil... cantarola no banheiro, ri do nada, aceita os desaforos das crianças com tranqüilidade, me acalma quando estou com TPM, acha o arroz papado gostoso e não fala mais da mamãe. Passou a amar a sogra! E pra piorar anda ouvindo tango.
Percebi que os indícios eram fortes, ouvir tango é meio forte mesmo, porém apelei para in dubio pro reo. Na dúvida, o réu é absolvido.
— E na cama, como ele está? — quis saber com aquela curiosidade danada das mulheres.
— Ótimo, nunca esteve melhor! Sintoma de culpa, né?
— Será que ele não está apaixonado por você, não te redescobriu como a mulher da vida dele?
— Rosa, você conhece o Guilherme, sabe que ele e eu nunca nos amamos. Ficamos juntos por comodidade. Acostumamos com a segurança de um lar feito. Apenas isto. Desfazer dá trabalho, empobrece a ambos a maldita divisão.
— Amiga, então por que a infidelidade dele te dói tanto e te mobiliza deste jeito?
— A traição me fragilizou. Nasceu a dúvida se realmente eu não amo ele, entende? Gostava da certeza que não o amava, então a indiferença dele era suportável. Agora não sei mais como se constrói uma vida a dois, com amor, pois aprendi a viver sem saber o que é amor, e é tarde, muito tarde para recomeços.
E continuou:
— Afinal de contas, com toda a frieza de nossa relação, tivemos três filhos, lutamos juntos para comprar nossa casa própria, choramos juntos a partida de papai, e quando sofri aquele acidente, ao despertar, ele estava lá, segurando minha mão. Não consigo imaginar o futuro sem ele.
— Tereza, você ama ele, e muito, sabia? E ele te ama... Sem querer você passou a vida de vocês a limpo. Isto, sim, é que são indícios e vestígios de amor.
— Será? Então, o que faço?
— Experimenta dar um beijo na boca dele e dizer em alto e bom som: “TE AMO!”
Ela começou a chorar, acho que pela primeira vez com razão, pois deixou passar vinte e cinco anos para descobrir que adorava seu homem.
Desligamos o telefone.
Construir uma relação é difícil, muito mesmo. Mais ainda ter a certeza de que se ama e se é amada.
Peguei a bolsa e saí. Precisava pensar. Agora a urgência era minha também... Entrei no primeiro cinema que apareceu.
Queria pensar, talvez chorar, no escuro, sozinha, de olhos fechados.
E fiquei revendo o meu filme, cujo roteiro eu havia traçado. Só abri os olhos quando percebi a movimentação da platéia. O outro filme havia acabado. E o meu?
Consegui ver a ultima cena do filme do cinema. Um casal, de mãos dadas, saía correndo na chuva. De repente se beijavam, sem se preocupar de ficarem encharcados.
Quem está na chuva tem que se molhar!
Corri para casa, dando apenas uma pequena parada para comprar um ramo de margaridas. Meu buquê de casamento foi de margaridas. Será que ainda tenho tempo de dar uma modificada no meu roteiro? Pena que hoje não está chovendo, Tuninho, mas mesmo no seco vou gritar:
— TE AMO!
2004
Livro PreTextos
foto novembro de 2005: os Pena
Rosa Pena
Tereza me ligou. Sua voz traduzia desespero.
Decidida a separar-se, depois de vinte e cinco anos de casada. Decidida pela vigésima vez. Sempre por brigas inúteis, infantis, nunca nada sério.
Disse que iria avisar aos filhos, irmãos, sogros... De novo? Lembrei-me do povo da net que se despede semanalmente, diz adeus e no dia seguinte volta a postar.
Falei com ela sobre este fato, o mico que se paga. Pedi que refletisse, ponderasse e perguntei o essencial... Ainda ama o Guilherme?
— Sei lá, isto nunca foi importante, mas não suporto saber que ele é um galinha.
— Tem provas da galinhagem? — perguntei a ela.
— Não concretas, pois os homens de hoje em dia não chegam mais com camisas manchadas de batom, nem cheirando a perfumes baratos. Não tenho vestígios, mas tenho indícios...
— Que indícios?
— Ele anda felizinho demais da vida, com toda a crise do Brasil... cantarola no banheiro, ri do nada, aceita os desaforos das crianças com tranqüilidade, me acalma quando estou com TPM, acha o arroz papado gostoso e não fala mais da mamãe. Passou a amar a sogra! E pra piorar anda ouvindo tango.
Percebi que os indícios eram fortes, ouvir tango é meio forte mesmo, porém apelei para in dubio pro reo. Na dúvida, o réu é absolvido.
— E na cama, como ele está? — quis saber com aquela curiosidade danada das mulheres.
— Ótimo, nunca esteve melhor! Sintoma de culpa, né?
— Será que ele não está apaixonado por você, não te redescobriu como a mulher da vida dele?
— Rosa, você conhece o Guilherme, sabe que ele e eu nunca nos amamos. Ficamos juntos por comodidade. Acostumamos com a segurança de um lar feito. Apenas isto. Desfazer dá trabalho, empobrece a ambos a maldita divisão.
— Amiga, então por que a infidelidade dele te dói tanto e te mobiliza deste jeito?
— A traição me fragilizou. Nasceu a dúvida se realmente eu não amo ele, entende? Gostava da certeza que não o amava, então a indiferença dele era suportável. Agora não sei mais como se constrói uma vida a dois, com amor, pois aprendi a viver sem saber o que é amor, e é tarde, muito tarde para recomeços.
E continuou:
— Afinal de contas, com toda a frieza de nossa relação, tivemos três filhos, lutamos juntos para comprar nossa casa própria, choramos juntos a partida de papai, e quando sofri aquele acidente, ao despertar, ele estava lá, segurando minha mão. Não consigo imaginar o futuro sem ele.
— Tereza, você ama ele, e muito, sabia? E ele te ama... Sem querer você passou a vida de vocês a limpo. Isto, sim, é que são indícios e vestígios de amor.
— Será? Então, o que faço?
— Experimenta dar um beijo na boca dele e dizer em alto e bom som: “TE AMO!”
Ela começou a chorar, acho que pela primeira vez com razão, pois deixou passar vinte e cinco anos para descobrir que adorava seu homem.
Desligamos o telefone.
Construir uma relação é difícil, muito mesmo. Mais ainda ter a certeza de que se ama e se é amada.
Peguei a bolsa e saí. Precisava pensar. Agora a urgência era minha também... Entrei no primeiro cinema que apareceu.
Queria pensar, talvez chorar, no escuro, sozinha, de olhos fechados.
E fiquei revendo o meu filme, cujo roteiro eu havia traçado. Só abri os olhos quando percebi a movimentação da platéia. O outro filme havia acabado. E o meu?
Consegui ver a ultima cena do filme do cinema. Um casal, de mãos dadas, saía correndo na chuva. De repente se beijavam, sem se preocupar de ficarem encharcados.
Quem está na chuva tem que se molhar!
Corri para casa, dando apenas uma pequena parada para comprar um ramo de margaridas. Meu buquê de casamento foi de margaridas. Será que ainda tenho tempo de dar uma modificada no meu roteiro? Pena que hoje não está chovendo, Tuninho, mas mesmo no seco vou gritar:
— TE AMO!
2004
Livro PreTextos
foto novembro de 2005: os Pena