Praça da Alfândega ao vivo

PRAÇA DA ALFÂNDEGA AO VIVO

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 11.11.2009)

Porto Alegre, RS - Sentado no banco de bronze, volto-me para Quintana, ao lado, que, atento, escuta Drummond a ler-nos um livro, de pé por detrás do encosto de metal. A manhã fria e chuvosa, após dias muito quentes e úmidos, passa sem muita pressa pela Praça General Osório. À frente, olhando para o Guaíba, do outro lado da rua fica o prédio da Alfândega, tão temeroso que impôs à praça sua presença vigilante, apelidando-a de Praça da Alfândega.

Alfândega remete a trocas, fronteiras e contatos com o desconhecido, com o novo e com o surpreendente, alude aos prazeres da descoberta, da emoção e da aventura. A Praça da Alfândega é, pois, o único local, em Porto Alegre, no qual se poderia montar uma Feira do Livro que já dura 55 anos. Enquanto a manhã passa calma porque é domingo e porque a Feira só abre após o meio-dia, cai uma nesga de sol que colore milhares de flores roxas de jacarandá entre os toldos das alamedas e barracas de livros.

Uma mulher pede que me retire do bronze para posar junto aos dois admiráveis poetas. Uma menina deita-se no colo de Quintana, escorrega e bate no encosto antes que o pai consiga fotografá-la. Sai esfregando a cabeça. Com eles, vai a lembrança dos dois poetas, de um livro e da atitude respeitosa com a leitura. O problema é saber se, mais tarde, ela conseguirá ver tudo isso na foto deste domingo primaveril.

Esclareça-se que o cronista viajou a convite da Câmara Rio-Grandense do Livro, que pagou suas despesas na capital gaúcha, o que não inclui os livros adquiridos (posto que livro não é despesa), enquanto a Fundação Catarinense de Cultura bancou as passagens, pois Santa Catarina é o estado convidado desta edição da Feira.

Por graça dessa homenagem, participei de sessões oficiais de autógrafo dos livros “Movimentos Automáticos”, “Da Importância de Criar Mancuspias” e “O Tempo de Eduardo Dias”, na noite de sexta-feira, e “Relatos de Sonhos e de Lutas”, no sábado à noite; de entrevista ao vivo de 28 minutos, na sexta, com o poeta Alcides Buss, pela FM Cultura; e de mesa-redonda de hora e meia, no sábado, sobre reedição de autores catarinenses dos séculos 19 e 20 com o mesmo Alcides e as professoras Tânia Ramos, da UFSC, e Eliane Debus, da Unisul.

Vá esta, já definitivamente expulso eu do banco de bronze pelos inúmeros modelos fotográficos amadores, como prestação de contas. O sol sai de vez.

(Amilcar Neves é escritor de ficção e autor, entre outros, dos livros "Movimentos Automáticos", novela, "O Tempo de Eduardo Dias", teatro baseado em extensa pesquisa histórica, em coautoria com Francisco José Pereira, "Da Importância de Criar Mancuspias", crônicas e "Relatos de Sonhos e de Lutas", contos)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 11/11/2009
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