Causos médicos: predições, paquetes e pálpebras
Itamaury Teles
A medicina é, reconhecidamente, uma profissão atraente e fascinante. Alguns até a comparam com o sacerdócio, tal a dedicação diuturna, o envolvimento e o comprometimento das pessoas que a escolhem como missão de vida.
Nos últimos anos, houve um avanço significativo nas técnicas postas à disposição dos
profissionais da saúde, para facilitar o conhecimento da natureza e da causa das afecções,
com a utilização de aparelhos sofisticados que mapeiam o corpo humano – em busca de anomalias orgânicas – de forma nem sempre invasiva, como nas tomografias computadorizadas.
Esses equipamentos, aliados a exames laboratoriais, conferem precisão no diagnóstico e segurança nas intervenções cirúrgicas. Mas nem sempre foi ou é assim...
Com todo respeito que tenho pela profissão – abraçada por muitos e bons amigos e por quase uma dezena de sobrinhos – gostaria de contar alguns casos dignos de nota que chegaram ao meu conhecimento. Uns cômicos, outros trágicos, mas precisam ser registrados, para que não nos esqueçamos de como era incipiente a medicina nas cidades pequenas, em passado nem tão remoto.
Um aconteceu em Porteirinha, nos anos 40, envolvendo um médico brincalhão e muito querido pelas pessoas do lugar. Os mais antigos contam que ele fez fama com um método infalível para adivinhar – por meio de engenhoso artifício – o sexo do nascituro. Curiosas, as mulheres grávidas sempre o procuravam para saber com antecedência qual seria o sexo do bebê. Ele fazia todos os exames de rotina, que consistia em apalpações aqui e acolá, em auscultar os batimentos cardíacos, circunferência do abdômen da grávida e, em complemento, dava seu veredicto:
- Está tudo uma beleza. Vai ser uma bela mulher! Vou anotar na ficha para posterior comprovação.
Mas, na ficha, ele anotava “homem”. Se nascesse mulher, acertava em cheio, e a mãe confirmava para toda a cidade que o médico era bom mesmo no prognóstico. E se nascesse um homem? Neste caso, a mulher, ainda em resguardo, vinha logo reclamar do erro do médico na predição. E ele não discutia com a paciente. Ia direto ao seu fichário, dizendo em voz alta:
- Vamos ver a anotação na ficha, vamos ver... Está aqui registrado, para não termos dúvida. Eu disse que seria homem. Acertei de novo...
E soltava seu bordão conhecido:
- Está tudo uma beleza debaixo da mesa...
Com a prova apresentada, a mulher voltava pra casa certa de que havia sido a culpada pelo erro, não o médico em seu vaticínio...
Outro caso envolveu o único médico do lugar. Clínico geral, era procurado para sanar todas as dúvidas, das mais complexas às mais comezinhas.
Pois bem, estava ele lá atendendo em seu consultório, quando adentra uma jovem com questionamento relativamente simples. Tomara conhecimento que fazia mal à saúde lavar a cabeça durante o período menstrual. E foi para este problema que buscava um esclarecimento do médico:
- Faz mal mesmo, doutor, lavar a cabeça de paquete?
Para não revelar seu desconhecimento daquela inusitada ocorrência, o médico respondeu espertamente com uma nova pergunta:
- Uai, você tem o mês inteiro pra lavar a cabeça, por que vai querer lavá-la justamente quando está menstruada?
- É mesmo, né doutor. É messs... – e foi embora certa do que deveria fazer, dali por diante.
O último caso aconteceu também em Porteirinha, nos anos 60. O médico da cidade gostava muito de tomar uma cerveja de casco escuro, mantida resfriada numa geladeira a querosene, no “reservado” do Bar de Totone.
Numa dessas oportunidades, chega ao referido bar um menino esbaforido, dizendo-lhe que chegara ao Posto de Saúde um rapaz que havia levado uma pedrada no olho.
- Avisa lá que já estou indo. Só vou terminar essa daqui...
Quinze minutos depois, o médico chega ao Posto e, mesmo alcoolizado, atendeu ao rapaz. Limpou o traumatismo, fez a sutura da pálpebra e, finalmente, o curativo e despachou o ferido. E retornou para tomar mais umas e outras...
No dia seguinte, pela manhã, o mesmo rapaz volta reclamando de coceira insuportável no olho atingido. Desta feita sóbrio, o médico retirou-lhe o curativo que tapava a visão e quase cai pra trás, assustado com o que vê:
- Uai, moço, desse jeito você está piscando pra dentro. Quem costurou sua pálpebra assim é um louco. Quem foi?
- Foi o senhor ontem, doutor. Foi o senhor... Ai, ui...