PAISAGEM PELA JANELA

Quando viemos morar nesta rua, no começo do ano de 1966, ela aparentava ser muito sossegada. De um lado havia o quartel, a vila militar, e de outro, a poucos passos de nossa casa existiam moradias comuns, entre as quais se destacava antiga construção cercada por varandas e denso arvoredo; ali funcionava o Abrigo para Órfãos e Carentes. De nossa janela podíamos ver crianças a brincar no balanço, escorregar na gangorra e correr pra lá e pra cá durante a recreação. Ao meio-dia, o toque de sineta anunciava a hora de almoço; ao mesmo tempo, do outro lado da rua o corneteiro anunciava haver chegado a hora de rancho para os recrutas aquartelados.

No Abrigo, os professores chegavam no começo de tarde para dar aulas, Quando isso acontecia, pela janela entreaberta o vento marinho trazia vozes infantis, mescladas vez por outra às ordens de um sargento para os recrutas que praticavam exercícios ao compasso de ritmada cantoria.

Tudo aparentava ser muito tranquilo, não fossem as madrugadas quebradas por tristes lamentos vindos do Abrigo, que nos provocavam angústia. O pensamento voltado para esse choro de criança, estranho e sem remédio, insones, espiávamos a paisagem pela janela. Quase encoberto pelas árvores, sob as luzes bruxuleantes da rua quieta destacava-se o Abrigo envolto em bruma misteriosa.

A paisagem pela janela também nos mostrava banhistas coloridos e bronzeados, voltando para suas casas; ao entardecer, quase na hora em que a cozinheira do Abrigo seguia para a própria casa, transportando duas sacolas pesadas e um caldeirão empoleirado sobre rodilha de pano na cabeça.

Com o passar dos anos, a casa antiga onde estava instalado o Abrigo foi posta à venda. Sentimos certo alívio com a sua transferência para novo endereço; o vento deixou de trazer o eco de criança chorando durante a madrugada.

Hoje, o que vemos pela janela se resume aos muros altos e hostis; também o quartel está deserto, depois que os soldados foram transferidos para bem longe daqui.

MCC Pazzola