o contador de histórias
O contador de histórias estava lá… no banco da praça, no mesmo horário de sempre, esperando sua seleta plateia que ia chegando aos poucos. Era uma plateia bastante miscigenada, jovens, velhos, mulheres, homens, de diversas raças e nacionalidades que já estavam acostumados com a presença do contador de histórias naquele local. Deixavam, por um período, seus afazeres do dia a dia para ouvir as narrativas deliciosas do velho senhor.
Um dia ele falava de suas experiências na guerra; outro, de seus amores da juventude; outros ainda, de alguma aventura em algum lugar do mundo… e assim ia tocando.
Naquele dia em especial, quando abriu a boca para falar, havia um sorriso maroto na face exculpida pelo tempo. Ele disse que falaria sobre a melhor arte de todas… a arte de viver bem.
Começou fazendo a narrativa de uma viagem, lá pelos idos dos anos cinquenta, a um pais distante, onde ele e um grande amigo desfrutaram de momentos incríveis. O pais era a India, com seus contos e encatos mil e um, com seus camelos e desertos, oásis fincados em intermináveis mares de areia que se misturavam, no horizonte, com o próprio céu. Falou de calôr que derretia até pensamento, de caravanas que iam e vinham carregando suas mercadorias, suas esperanças, seus sonhos, seus desencantos.
Sua plateia, como sempre, ouvia atenta a cada detalhe.
E o velho contador de histórias proseguia. Falava das cidades daquele pais maravilhoso e cheio de mistérios. Falava de Mahatma Gandhi, e sua revolução silenciosa, citava frases dos textos Vedas, da epopeia Mahábarata. Discorria com a mesma graça e encanto de todos os dias, os ouvintes se sentiam embriagados, entorpecidos com o seu verbo magnífico e acalentador.
Era inverno, um dos dias mais frios do ano. A neve caia devagar e silenciosa, depositando flocos brancos na barba já branca do velho historiador. Enquanto falava, rufadas de vapor saiam de sua boca, como se as palavras quisessem se materializar no espaço.
Os minutos foram passando e se tornaram horas, ouvintes, já impacientes, faziam menção de se retirar a qualquer momento. Alguns o fizeram; saiam devagar, como quem não quer ir, como quem quer ficar, mas o frio… o frio estava cortando, o frio congelava a vontade e dava lugar à tristeza, era preciso ir embora, achar um lugar quente para esperar passar aquele dia.
E assim, pouco a pouco, a plateia foi diminuindo. As horas passando, e nada do velho concluir sua narrativa. Até que em determinado momento apenas três pessoas continuavam a seu lado, foi nesse instante que ele se levantou para ir embora. Os outros, sem saberem muito bem o que estava acontecendo lhe perguntaram: -- Mas, já acabou. E a arte de viver bem?
O contador de histórias olhou demoradamente nos olhos de cada um e disse: -- Vocês já aprenderam essa arte. Para se viver bem, deve-se ser perseverante, atento e saber ouvir mais do que falar.
E se retirou devagar enquanto atrás de si, uma cortina branca ia se fechando lentamente.