amigo secreto (crônica)
O homem fazia seu alongamento matinal no parque onde costuma caminhar todas as manhãs. (alguns dirão que é redundante, pois, se é matinal é lógico que tem que ser de manhã. Mas não faz mal; parafraseando uma poetisa que gosto muito direi: -- O texto é meu, a redundância é minha).
Mas voltemos ao homem do alongamento.
Próximo a ele, duas senhoras de meia idade conversavam animadas. – Esse ano vou participar de quatro amigos secretos; os amigos da caminhada, os amigos do trabalho, os amigos da terceira idade e os amigos da vizinhança. Os amigos da vizinhança eu tô meio em dúvida ainda (se é que existe meia dúvida. Mas afinal a meia dúvida é dela) Tem um morador novo na minha rua que eu não gosto muito e ele vai participar. Já pensou se eu tiro o homem? – Esse negócio de Amigo Secreto é uma chatice, emendou a outra, todo ano eu ganho os mesmos presentes, o povo não tem criatividade. É uma blusinha aqui, uma bolsa ali… o ano passado eu ganhei outro perfume barato; não que eu ligue que seja barato, tentou consertar, é que é sempre os mesmos presentes.
O homem que agora esticava as pernas sorriu por dentro se lembrando de quantos pares de meia havia ganho, nessa data, em toda sua vida. Dava pra montar uma loja de meias, pensou ele.
-- Lenços, voltava a primeira mulher, sabe quantos lenços já ganhei na minha vida, já perdi foi a conta. Esse ano vou comprar coisas diferentes para meus amigos secretos.
-- O que por exemplo?
-- não sei ainda, mas vou procurar.
As duas senhoras se distanciaram ainda conversando, mas o homem já não podia mais ouvi-las. Ficou só… com seus pensamentos e seus alongamentos.
Lembrou do tempo em que reunia toda a família e trocavam presentes. Lembrou da esposa que já não estava mais com ele. Lembrou de cada filho, filha e dos netos. Lembrou do último Natal que passou sozinho no apartamento, escrevendo memórias no computador. Agora o que restava eram só memórias. Os filhos, vivendo em cidades distantes, e cuidando cada qual da sua vida, não tinham mais tempo para ele, quando muito um telefonema e só.
Nada disso o perturbava na verdade. Ele não se considerava, mas era um sábio muito respeitado pelos amigos de sua geração e outros não tão velhos.
Por isso, quando saiu do parque naquele dia, alguém que passasse por ele poderia até dizer que ali ia um homem feliz, pois seu semblante irradiava paz e tranquilidade. Quantas dessas histórias já não foram vividas pela humanidade através dos séculos e quantas ainda não seriam vividas no futuro? Os seres humanos (cada regra tem sua exceção) precisam dessas datas especiais para se sentirem mais próximos, para reatarem os fios da teia que vão se quebrando pelo tempo a fora, para se sentirem menos individuais, mais unos com a grande família do planeta Terra. – É bom, pensava ele, não vejo maldade nisso, apesar da indústria do consumismo se aproveitar das “fraquezas” de cada um de nós para nos empurrar seus produtos goela abaixo. Ainda assim é bom. Faz as pessoas se sentirem mais próximas.
Chegou na portaria do seu prédio, e como acontecia todo ano nessa mesma data, o porteiro lhe perguntou. – E aí seu Osmar, vai participar do nosso amigo secreto esse ano? O homem sorriu e mais uma vez disse que não. O porteiro não ligou. Já sabia que a resposta seria essa mesmo. Ele perguntava por educação, pois, gostava do “seu Osmar”.
O homem já estava na porta do elevador para subir ao seu apartamento, com o dedo no botão, quando o porteiro gritou seu nome. – Seu Osmar! Esse ano vamos ter um recital de poesias no dia das entregas. (última tentativa)
-- Tá bom Francisco, bota meu nome aí. E apertou o botão.