As mães e a dita-dura

UnB, 1977.

Greve geral dos estudantes. Campus tomado por um imenso batalhão de policiais militares e à paisana. A dita-dura ainda rolava a pleno vapor. Tensão no ar e à flor da pele.

Era só um pequeno grupo ensaiar uma reunião, uma palavra de ordem, contar uma piada, soltar um espirro, se espreguiçar, uma ação qualquer, e a reação dos "home" vinha dura e implacável -- os policiais, com capacetes, escudos e cassetetes, cercavam a estudantada e, formando um grande círculo fechado, arrastavam quem estivesse dentro feito peixe na rede e então levavam todo mundo preso.

Pois foi exatamente isso que aconteceu num determinado dia.

Estava lá a moçada confinada feito gado, enquanto o delegado anotava nomes, endereços e tudo o mais, fichando os meliantes cujo grande crime era serem estudantes de universidade pública e viverem sob uma dita-dura.

De repente, não mais que de repente, chega a mãe de uma das estudantes (que não era eu, nem a mãe era a minha) carregando café, refrigerante e sanduíches pra distribuir pela rapeize. Foi entrando e, sem nem consultar o Seu Delegas ali, foi alegremente dizendo:

-- Olha o lanche, crianças! Quem aí está com fome? 'Bora comer, meninada!

E o Seu Delegas? Ficou tão surpreso, mas tããão surpreso... que não fez nada. Deixou o pessoal comer o lanche e em seguida liberou todo mundo. Vai ver ficou com saudade da mãe dele... afinal, os brutos também amam.

Ou então, vai ver era o mesmo delegado que, num outro dia, tendo diante de si outro grande grupo de estudantes pra serem fichados, viu entrar a esposa de um poderoso ministro de estado, cujas filhas estavam por ali, no meio da rapaziada presa. A Dona Ministra foi, por sua vez, entrando e espinafrando o delegado, a dita-dura, o regime, os milicos, a tradição, a família e a propriedade, de modo que o homem não teve outro jeito e, muito sem jeito, ordenou que soltassem as ministrinhas imediatamente. Mas a Dona Ministra subiu ainda mais nas tamancas e exigiu que soltassem não apenas as suas meninas, mas toooodos os estudantes -- e imediatamente!

E todo mundo foi pra casa.

:)

Maria Iaci
Enviado por Maria Iaci em 08/11/2009
Reeditado em 09/11/2009
Código do texto: T1912769
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