Dor "crônica"

Ao abrir a sua caixa de correios, como fazia religiosamente, uma carta chamou a sua atenção:

“CONCURSO LITERÁRIO”

Estavam convidando-o para participar de um grande concurso literário, onde premiaria os cinquenta melhores cronistas, dando-lhes o direito de publicar os seus textos num conceituado jornal da cidade, ao terminar de ler, surpreso com o convite, não teve dúvidas, rapidamente se inscreveu para participar, sabendo que ali poderia ser uma boa oportunidade de divulgar o seu trabalho.

Assim que recebeu a confirmação da sua inscrição, iniciou uma revisão de todos os seus textos, precisava saber qual, de tantos, encaixaria no perfil do regulamento. Leu e releu várias vezes cada crônica, buscando, entre todas, aquela que poderia lhe representar com dignidade, frustrado, ainda tentou melhorar algumas, porém sempre que incluía ou excluía alguma palavra, percebia que ficavam mais ruins ainda. Resolveu então escrever uma novinha em folha. Mas qual seria o tema? Por onde começaria? E se estivesse fora do que o regulamento pedia? E se todas as anteriores que ele considerava como crônicas, não fossem? E agora, o que é crônica? Qual a sua essência?

Em frente à máquina de escrever ficou inerte, suas mãos sobre as teclas teimavam em permanecer imóveis, suava frio, temia em não conseguir escrever algo em tempo, em menos de cinco dias deveria enviar a sua crônica, e nem uma letra sequer aparecia na folha, no primeiro dia foi dormir as quatro da manhã, cansado, deixando a folha exatamente como a colocou, em branco. Nos dias seguintes continuou a sua angústia, o que para ele era tão fácil, o nervosismo impossibilitava de fazer, pelas ruas, aflito, procurava qualquer coisa que lhe trouxesse uma inspiração e nada de diferente acontecia.

Na sua casa, ficava horas deitado no sofá com as pernas para o alto, acreditava que assim oxigenaria o cérebro, depois voltava aos seus arquivos e pacientemente relia cada um, chegando a uma conclusão nada agradável, todos eram uma porcaria. Exausto, com os olhos vermelhos, que denunciavam às noites de insônia, fedendo, com a mesma roupa do dia em que recebeu a “maldita” carta e já um pouco mais magro, sem forças emocionais e físicas para continuar, consciente que era o último dia e não podia de maneira alguma desistir, sentou-se em frente à máquina de escrever e decidiu que só sairia de lá como uma crônica pronta ou para um hospital.

Acordou sobre um leito, com soro no braço e uma enfermeira ao seu lado, com sintomas de desidratação e falta de alimentação, um pouco confuso, perguntou o que ele fazia ali, precisava terminar de escrever um texto, não podia “perder” tempo deitado sobre um leito vendo a oportunidade da sua vida escapar, desesperado ainda tentou sair correndo, mas sem forças, mal conseguia se levantar. Ao seu lado outro paciente, via a sua aflição sobre a cama. Pensativo fez uma breve retrospectiva e o máximo que conseguia lembrar, era de ter sentado na frente da sua máquina e ter definido que só sairia de lá com uma crônica pronta ou para um hospital, vendo-se no hospital, concluiu que não terminara o seu texto e que apenas restavam as lamentações.

O colega de quarto, percebendo a inquietação, comentou o que tinha ouvido e perguntou se era tudo verdade.

- Caramba meu, você é louco heim?

- O que você ouviu? – perguntou o cronista desesperado.

- Soube que lhe encontraram desmaiado no meio da calçada, em frente ao correio.

- Não é possível, não me lembro de nada! Que dia é hoje?

- Dia 27!

- Meu Deus, estou há dois dias aqui!

Uma semana depois, já recuperado, recebeu outra carta com o mesmo endereço do último que tinha o levado para a Santa Casa, um forte arrepio desceu da cabeça aos pés, abriu-a e lá em poucas palavras parabenizava-o pela bela crônica que escrevera e que estava entre os cinquenta cronistas.

Desmaiou, e só acordou dois dias depois, novamente sobre um leito e com soro no braço.

Regor Illesac
Enviado por Regor Illesac em 07/11/2009
Código do texto: T1909577
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