Não desista do Loroza!

Não desista do Loroza!!!!

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Acordou mais romântica do que nunca.

Olhou para o lado e viu o marido dormindo.

Roncando.

Mas nem o ronco atrapalhou sua vontade de dar-lhe um beijo.

Na testa.

Daqueles bem estalados.

Quase levou um tapa na orelha.

Já na rua, notou que o sol de inverno coloria de laranja o azul do céu.

Definitivamente, aquele seria um dia muito especial.

Perto de se aposentar, faria daquela manhã algo para se lembrar.

Teve que chamar o filho do vizinho para empurrar o carro.

Nunca mais teria carro só a álcool.

Depois de cumprimentos cheios de energia para todos do escritório, passou ao computador.

Efusivos e-mails de bom dia foram enviados para a lista de sempre.

E para o marido, um torpedo no celular.

- Quer me matar de susto, Zefa? Me acordar com essa coisa tremendo e chiando do meu lado?

Abriu a janela do escritório, respirou fundo.

Tossiu duas vezes.

Os ares da cidade já não eram como antigamente...

Quase morreu de susto quando uma pomba cinza entrou pela janela.

Gritou.

Depois se lembrou que era apenas uma avezinha querendo alguma migalha de pão.

Devagar para não assustá-la, abriu a bolsa e pegou uma torrada natural light, sete grãos, sem adição de açúcar e gorduras, colesterol zero e a esmigalhou no chão.

A pomba comeu tudo e ainda procurou por mais algum pedacinho.

Quando percebeu que dali não sairia mais nada, alçou vôo, não sem antes pousar no computador de Zefa, borrando a tela inteira.

A vida na cidade era um monte de surpresas.

Depois de o marido recusar seu amável convite para o almoço, Zefa chamou as amigas.

- Estou pensando em entrar para uma aula de dança, confidenciou às companheiras.

- Ih, boba! De dança já chega o fora que levei do Pedrão. Lembra dele? Rodopiei um Strauss inteiro.

- Quero aprender dança de salão.

- Sei de uma gafieira que é um sucesso...

- E eu lá tenho cara de dançar gafieira?

- Ué, e desde quando precisa ter cara para ralar coxa?

- Waltinho não ia deixar. Quero aprender a dançar bolero.

- Ô Zefa, é impressão minha ou você está, assim, meio lerda?

- Como assim, lerda?

- Não sei. Você sempre foi tão agitada, arrebitada. Pra falar a verdade, muito mais pra gafieira do que pra bolero...

- Sertralina, meu bem. Sertralina.

- O quê é isso?

- Um santo remédio. O elixir da calma, paciência e felicidade.

- Não vai me dizer que você está tomando calmante?

- Não! Quando estava para morder a jugular de um, minha médica me receitou a sertralina. Pronto! Cá estou eu feliz da vida.

- Mas querendo dançar bolero...

- E valsa também.

- Não está exagerando na dose não?

- Genteee! A Mariinha tem uma escola de dança.

- Dá logo o telefone da Mariinha.

- Nossa! Parece que o mundo vai acabar em Gardel.

Chegou em casa contando a grande novidade.

Tinha se matriculado numa escola de dança!

Finalmente, ia aprender a dançar bolero.

O marido não desgrudou os olhos da televisão.

No dia seguinte, foi trabalhar deixando-lhe um bilhete.

“Te aguardo para o jantar”.

Arrumou a mesa com direito a flores e vinho tinto.

Queria uma noite de amor.

Ele chegou tarde e cansado.

Não estava a fim de papo.

A bomba estourou no fim de semana.

Ele queria o divórcio.

Ela, em prantos, perguntava quem era a outra.

Ele insistia em dizer que não havia “outra”.

Ela gritava que ninguém se separa para ficar sozinho.

Ele sai batendo a porta.

Uma nova bomba estourou uma semana depois.

A outra tinha nome.

E o nome era Mariinha.

A dona do salão onde ela aprendia os primeiros passos de bolero!

Ela arrasou.

Chorou.

Esperneou.

Quis matar, trucidar, esquartejar.

Passou a mão em todas as caixas de sertralina que tinha espalhadas pela casa e jogou no lixo.

O momento não merecia uma mulher calma.

Sem saber o que fazer, procurou as amigas.

Foi logo avisando:

- Não quero consolo! Quero ação!

E a idéia partiu de Ângela, a ex-gordinha da turma.

Ninguém sabia ao certo como é que ela tinha conseguido emagrecer tanto.

Ficaram sabendo naquele momento.

Não muito tempo depois, uma casa de dança foi inaugurada na vizinhança do salão de Mariinha.

O curioso nome “Não desista do Loroza” chamava mais atenção do que os dançarinos, verdadeiros deuses gregos, que se contorciam na porta.

Lá dentro, uma iluminação frenética.

E a atração final: a música do Sérgio Loroza.

Ritmada.

Alegre.

Pra lá de dançante e.....

Emagrecedora!

Guiadas pelos “deuses gregos”, as mulheres iam ao delírio.

Aprendiam a dançar e perdiam peso.

Quando alguma ameaçava perder o fôlego e pedia para parar, um coro, acompanhado de uma alegre percussão, repetia:

Não desista do Loroza!

Não desista do Loroza!

Zefa se tornou uma empresária de sucesso.

Mudou-se para uma casa sensacional.

A vizinhança nunca se incomodou com os tipos atléticos e dançantes, que entravam e saíam daquela mansão.

Muitos até se insinuavam para serem convidados das frequentes festas realizadas ali.

Tempos depois, procurada pelo ex, triste e arrependido, Zefa deu a receita:

- Tome sertralina. Vai te fazer um bem e-nor-me!

(Uma homenagem a minha amiga Eliana)