CEVANDO LAVADEIRAS
Itamaury Teles
O verbo cevar tem várias acepções nos dicionários. No Houaiss eletrônico, de minha preferência, tem o cabalístico número 13. Mas o sentido procurado por mim para a tal palavra situa-se entre a de número 1 (dar ou ingerir alimento; alimentar ou alimentar-se, nutrir ou nutrir-se) e a de número 8 (iludir, engodar, enganar). Exatamente como fazem os exímios pescadores, que cevam os peixes, dando-lhes farinha ou outro alimento, sem nada fazer num primeiro momento, até ganhar a confiança deles – como se disso fossem passíveis. Depois, os concentram em pequeno espaço na água e os enganam com armadilhas. Assim, pescam cardume significativo, em pouco tempo.
Temos na vida muitas situações parecidas, quando os incautos são envolvidos pelo canto da sereia e ludibriados a seguir, caindo em ardis previamente armados pelos espertalhões de plantão, que abundam aqui e alhures, desde que o mundo é mundo...
Em Porteirinha, quando eu era menino, tinha um açougueiro por lá que era mestre nessa arte. Soube disso recentemente, por meio do amigo Tutu, em sua loja Kamig, de venda de inseticidas, adubos, sementes e outros que tais.
Segundo o Tutu, esse açougueiro, que chamaremos pelo sugestivo apelido de Carne Gostosa, era dado a paqueras bastante inusitadas, embora ostentando quase setenta anos e, por isso mesmo, não estava mais com essa bola toda nas artimanhas de alcova. Principalmente naquela época em que o Viagra do sertanejo era apenas e tão-somente o prosaico pequi, sabidamente uma fruta temporã, colhida e consumida nos primeiros meses do ano.
Mas com todas essas restrições, o fogoso Carne Gostosa não deixava em paz uma categoria funcional que mexia com sua libido: a das singelas e operosas lavadeiras de roupa do rio Mosquito.
O açougueiro Carne Gostosa tinha uma tática toda especial para conseguir seu intento libidinoso. Em seu açougue, no interior do antigo mercado da cidade, ele ia guardando retalhos de carne recusada pelos clientes, ao longo da feira sabatina. No final do dia, ele distribuía a carne rejeitada para suas presas em potencial. Na maioria das vezes lavadeiras, pelas quais tinha predileção especial.
Foi num desses sábados que ele bispou de longe a escultural Ambrosina. Muito jovem, de corpo bem definido, o velho açougueiro viu nela uma aspirante típica a seus galanteios e a cevou generosamente com dois quilos de retalhos de carne bovina e uma manta de dobradinha...
Na semana seguinte, Ambrosina lá estava novamente, candidatando-se a sair dali com o embornal cheio daquele alimento rico em proteína animal. Carne Gostosa, mais uma vez, foi generoso: três quilos de músculo moído e uma rabada de boi. Sete dias depois, Ambrosina já se mostrava mais saudável, mais fornida e mais linda aos olhos do Carne Gostosa. Depois de novamente a presentear, o velho e esperto açougueiro deu o bote certeiro:
- Que dia cê lava roupa, Ambrosina?
- É quarta-feira, “seu” Carne Gostosa.
- Que hora?
- É treis da tarde...
- Posso te esperar para um dedo de prosa, lá no Areão?
- Claro qui pode, uai. O sinhô é tão bão pra mim!
E assim, na quarta-feira seguinte, Carne Gostosa foi esperar Ambrosina no Areão. No horário previsto, lá vem ela equilibrando uma enorme trouxa de roupa na cabeça. Ele, do alto de um barranco, ao lado do Rego do Véi Olímpio, a enxerga de longe e desce para encontrar-se com ela. Após rápido cumprimento, vão direto ao assunto e ajustam um encontro amoroso, ali próximo, numa pequena clareira, no meio de um mangueiro de capim colonião. Ele a ajuda a passar a trouxa com dificuldade por entre os fios de arame farpado e seguem para o local. Ambrosina, para ganhar tempo, já se posta em posição de recebê-lo num coito rápido. Deita-se e dali contempla o velho açougueiro a se despir para o ato. Mas acontece o inesperado. A “estrovenga” do Carne Gostosa, aposentada por tempo de serviço, depois de décadas de patuscadas e orgias sexuais, resiste bravamente a mostrar-se em ponto de entrar em ação. Embora a estimulasse por mais de meia hora, ela continuava dormindo languidamente sobre o saco, feito gato de armazém.
Impaciente, mas de maneira gentil – para não perder o brinde semanal –, Ambrosina implorou ao açougueiro:
- Ô, “seu” Carne Gostosa, o sinhô pudia fazê o favô de mi desocupá agora, purque ieu ainda tem qui lavá essa trôxa de rôpa...
Depois desse lamentável episódio, Carne Gostosa nunca mais foi o mesmo. Aposentou-se também do seu ofício, por absoluta falta de motivação.