Cantigas de Roda, folclore e lendas – Zé de Marley explica.

Fui no Tororó por Zé de Marley.

Alexandre Menezes.

Quase sexagenário, Zé de Marley, transmite seus conhecimentos à sombra do bambuzal. Inicia hoje o seu trabalho, entre um trago e outro, a partir de reflexões sobre a cantiga de roda “Eu fui no Tororó” sob o céu do Planalto Central. Segue o relato:

Sobre a canção escolhida para análise afirmo: é, sem sombra de dúvidas, uma das mais antigas e subliminares manifestações homossexuais da história. Não faz parte da memória do jovem brasileiro, e muito menos dos registros oficiais do Estado, qualquer apresentação feita com espontaneidade e por isso explico.

O fim deixa evidente se tratar de uma relação social dos gays do sexo masculino. A canção ensinava garotas zombarem da ameaça veadinha feita por um deles – “Oh ! Mariazinha, entra nesta roda ou ficarás sozinha!”. Tendo o nome Mariazinha como exemplo, a ameaça seria feita a qualquer garota que ficasse fora da roda ao seu lado. Afinal, ele desdenhava a companhia.

Como resposta às rimas do moçoilo, as meninas rimavam versos com nomes dos garotos heterossexuais. Mulheres quando querem são irritantes. E quando são irritantes e imaturas então? Os primeiros nomes escolhidos para completar a rima seriam sempre, os que elas sabiam, ser por ele indicados como bofes perfeitos e logo mandavam: “ sozinha eu não fico e nem ei de ficar porque tenho o fulano para ser meu par”. O termo “fulano” poderia ser substituído por Zé Cláudio, Daumon, Xande Ribeiro ou qualquer outro que fosse homem de verdade.

Já o início da letra, mostra uma forma antiga de insinuação. Ao cantarolar o abandono de uma linda morena no local, evidencia desprezo do rapazote pelo sexo oposto. Ainda no início, sugere encontros tarde da noite, que não eram comuns na época, incentiva a transgressão dos valores sexuais, como a bacanal, ao dizer: “aproveita minha gente que uma noite não é nada, se não dormir agora dormirá de madrugada”. Como não havia a liberdade que há nos dias atuais, nota-se uma proposta de atividade em grupo que poderia ser aceita por diversos garotos como forma de iniciação sexual na calada da noite.

Para os dias atuais, tal composição perdeu o valor que tinha até 30 ou 40 anos atrás. Os jovens de hoje já utilizam um discurso direto ou preferem insinuações mais apelativas como as arregaladas coreografias de funk carioca. Porém, essa canção pode ser utilizada para entender o passado e comportamento de adultos maduros.

Converse discretamente sobre a canção com um tio, amigo mais velho do trabalho... Caso demonstrem empolgação exagerada, é provável que esteja diante de um ser ainda preso no armário. Um daqueles mentirosos que diz que homem que não fez troca-troca na infância fará quando mais velho. Ninguém é obrigado a acreditar. Trata-se de uma desculpa esfarrapada de quem não conseguiu esconder algo que gostaria do passado e não tem força suficiente para assumir o que realmente gosta.