Morcegos e chocolate

MORCEGOS E CHOCOLATE

(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 04.11.2009)

É uma situação constrangedora quando preciso falar aqui de certos assuntos sensíveis, polêmicos ou delicados, abordar ideias tidas por ofensivas a quem delas discorda por motivações políticas, religiosas ou futebolísticas. Esse negócio de haver crianças na sala só complica mais as coisas. Como retirá-las em tempo hábil se nunca se sabe quando alguém vai pegar o jornal e abri-lo precisamente nesta página? Com a televisão é mais fácil, basta colocar a advertência no ar e a responsabilidade pelo que elas virem a seguir passa automaticamente a ser dos pais. O jornal não dispõe de tal recurso.

Pior: o jornal trata da palavra escrita, e esta é muito mais ameaçadora e insidiosa do que a palavra falada, do que mil imagens. Jornais, assim como livros, submetem os seus autores a constante sobressalto: quando será que alguém se sentirá atingido, profundamente ofendido por uma palavra ou uma frase e entrará com um processo judicial pedindo a censura sumária do que foi dito - melhor: do que foi escrito -, exigindo sua retirada incondicional do mundo das coisas acontecidas, e, como castigo adicional, uma polpuda indenização por danos morais? Isso pode suceder mesmo muitos anos depois que se deram as coisas relatadas.

Há tribunais que concedem tanto a censura quanto a indenização.

Imagino que, a esta altura da crônica, as crianças tenham abandonado o texto, possivelmente o próprio jornal, desinteressadas já desta conversa que lhes parece que a nada levará. E isto fi-lo de propósito, para despistar-lhes a atenção. O problema é que, atingido este intento inicial muito importante (para não ter problemas com o editor do caderno nem com as penas da Lei), percebo que se esvai irremediavelmente o meu precioso espaço e sequer, afora o título posto no topo, entrei no assunto.

Queria dizer-lhes, agora que, a bem dizer, as crianças deixaram a sala, que o chocolate causa quatro vezes mais prazer do que um beijo, especialmente se o deixarmos derreter lentamente sobre a língua (vale para ambos, parece).

E os morcegos? Bem, os morcegos asiáticos de uma espécie frutívora fazem sexo oral para prolongar a relação, ou seja, supõe-se que usem muito a língua para falar entre si de sexo (o tal de sexo oral) e, assim, incrementar a relação social entre os indivíduos da colônia.

Comprova-se, assim, que sempre é prudente empregar a língua com moderação.

(Amilcar Neves é escritor de ficção e autor, entre outros, dos livros "Movimentos Automáticos", novela (R$ 12,00 na Feira do Livro de Porto Alegre), "O Tempo de Eduardo Dias", teatro baseado em extensa pesquisa histórica, em coautoria com Francisco José Pereira (R$ 16,00 na Feira), "Da Importância de Criar Mancuspias", crônicas (R$ 20,00 na Feira) e "Relatos de Sonhos e de Lutas", contos)

Amilcar Neves
Enviado por Amilcar Neves em 05/11/2009
Reeditado em 05/11/2009
Código do texto: T1905844
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