DOMINGO

A meninada acorda cedo e já se espalha pela casa aos gritos de alegria, cada um procurando as roupas de banho, os brinquedos de plástico, as bolas de borracha, as bóias e os pés de pato. É domingo, dia de ir para a casa da tia Fran onde tem uma piscina grandona com um lado raso e outro fundo. A mãe começou cedo a preparar os galetos e a farofa cantarolando uma música antiga de Wanderley Cardoso. A azáfama é geral, até mesmo o paizão, que gosta de tomar umas biritas no seu dia de folga, já guardou no isopor dez garrafinhas de loiras geladas e parece todo eufórico usando aquele calção enorme que mais lembra uma ceroula. Já o vira-lata da casa cachorro parece saber o que está prestes a acont3ecer e se agita todo balançando a cauda, a língua de fora, radiante e barulhento.

E lá vem todos eles chegando à casa da tia Fran, a molecada já pulando ao mesmo tempo, descontraída e baratinada, nas águas azuis da piscina molhando quem estiver por perto. O alarido é geral, eles jogam água uns nos outros e espalham geral em derredor, mergulham de ponta cabeça, dão cambalhotas, sobem nas costas dos mais fortes dando saltos mortais, cospem, urinam e dão gargalhadas em alto e bom som enquanto jogam a bola de um para outro na maior algazarra. O paizão, depois de apertar a mão do cunhado,que sempre ficava atarantado por ver a parentada doidona adentrar casa adentro sem a menor cerimônia, também se jogou em meio ao amontoado de meninos molhados rindo à larga como se ele mesmo fosse um pirralho pentelho.

A mãezona, vestida com aquele maiorzão que lhe dava o aspecto de urso, abraçou eufórica a cunhadona depois de jogar sobre a mesa as panelas contendo galetos e farofa, tascou-lhe beijocas cheias de saliva nas faces, e sorridente e feliz, correu a bronzear-se pois já estava toda besuntada de óleo à base de cenoura e não queria perder um minuto sequer. Esparramou-se na grande cadeira branca, sob o sol, e lá ficou soltando bufas discretas para não chamar a atenção de ninguém e aproveitando para cochilar até a hora de servir a farofada aos filhos.

Os donos da casa, em especial o maridão enfurecido, de pé olhando a invasão familiar, deixaram escapar um suspiro de raiva e aversão odiando e amaldiçoando o dia em que inventaram de construir uma piscina em sua casa. Ele ligou a TV e foi assistir à corrida de Fórmula Um, a esposa saiu para a cozinha coçando a cabeça, não por causa de piolhos mas por não saber como evitar o desassossego de todos os domingos. Ambos escutavam nitidamente a gritaria, os apupos, os xingamentos e as gargalhadas da turba se divertindo na piscina, não havia como escapar disso. Como seria bom que não houvesse domingos, os dois pensaram.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 05/11/2009
Reeditado em 05/11/2009
Código do texto: T1905837
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