SINGELEZAS DA VIDA

A pequenina borboleta estava abraçada à cortina da janela de minha escrivaninha tão-logo o dia amanheceu. O vento dava suas voltas apressadas pelos espaços do meu escritório e deixava revoar o pano grosso do cortinado, e a borboleta aferrava-se a ele como seu último ponto de apoio. A presença daquela serzinho tão indefeso no meu ambiente de inspiração e trabalho, ansiando viver como qualquer outro o faria enquanto lhe pulsa a vida, sensibilizou-me sobremaneira. Corri a pegar a máquina fotográfica para guardar aquele momento a mim deveras lindo e disparei o flash temendo vê-la fugir. Mas ela não se foi, quase ficou a olhar-me através de suas cores tão bem distribuídas por Deus, deixando-se fotografar como uma boa modelo. Vaguei meus olhos por ela ainda alguns instantes, admirando-a, ela certamente perdida nos interlúdios de, quem sabe?, suas, digamos, reflexões. Riria de mim se soubesse como tanto me encantou sua deslumbrante visita. Depois, deixei-a sossegada e fui cuidar de minha vida esquecendo-a solitária no recanto que escolhera para pousar.

Qual não foi minha surpresa, à noite, já de volta de minhas atividades cotidianas, ao, displicente, olhar para o teto sem razão aparente e deparar, perplexo, com a mesma borboletinha colorida ali grudada a, por certo, namorar o branco do estuque. Paradinha, silente como convém às borboletas, só Deus sabe desde quando estava lá enfronhada em si mesma. Minha reação normal foi, novamente, disparar à procura da preciosa máquina digital no intuito de tentar registrar a nova e destoante paisagem bucólica proporcionada pela frágil e indefesa borboleta. E pensar que o bater de suas asas pode causar um terremoto na Ásia! Lei de causa e efeito, dizem. Cruz credo! Arreda!

Bem, à parte isso, subi na cadeira e aproximei a câmera o mais perto possível dela e cliquei. Como se indiferente ao meu desajeitado anelo de retratá-la, lá estagnada ela estava e permaneceu sem piscar os olhinhos. Eu não podia de modo algum perder a oportunidade de emocionar vocês, como eu fiquei, então anotei esse fragmento de sensibilidade que tomou conta de mim ante a simplicidade e a singeleza das pequenas coisas que nos atraem e de quanto tudo pode ter um toque de arte e poesia.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 05/11/2009
Código do texto: T1905774
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