Venho procura-lo em desespero de causa, Doutor. Disseram-me que fazia milagres. Não sei como explicar. Antecedentes familiares não tenho. Causas remotas também não. Fui educado com afecto e dedicação. Meus pais amaram-se em vida e quem sabe se não se continuarão a amar numa qualquer eternidade? Culpa deles não é.
Um dia acordei e por breves instantes pensei que seria mais um dia comum. Então senti. O peso. Absolutamente insustentável. Com um esforço que julguei humanamente impossível de suportar levantei-me até ficar sentado na borda do colchão.
Quanto tempo passei em raciocínios, uns lógicos, outros loucos, não posso precisar.
Finalmente compreendi o inexplicável. Era o Mundo. O Mundo de rompante invadira o quarto, fizera pontaria ao umbigo espetando o seu eixo de rotação em mim.
Fiquei grávido do Mundo. Alucinação? Bom seria, Doutor, não fora o peso que me sufoca o peito e me dobra os ombros.
Narcisista? Não sei responder. Sou apenas um homem vulgar. E acaso acha, tivesse eu cometido algum terrível pecado, que isto é castigo adequado? Se sentisse a medida deste peso doutor...
E o pior é que além do peso, da massa, da força da gravidade que me comprime existe ainda o peso das lágrimas. O Mundo está chorando, doutor. Chorando para dentro. O peso é a dobrar.
Acha que me pode ajudar, Doutor?
 
AnaMarques
Enviado por AnaMarques em 04/11/2009
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