a bruxa do apartamento ao lado
A BRUXA DO APARTAMENTO AO LADO
Era madrugada alta e eu não conseguia dormir. Com os olhos fixos no teto do quarto, ouvia risos abafados que vinham do apartamento ao lado. Aquilo tava me deixando louco.
a noite passou devagar. Quando me levantei e tomei um banho, parece que meu corpo melhorou um pouco; fiz a barba, lentamente. Engoli um café e preparei minhas coisas para sair para o trabalho. Do outro lado da parede reinava o mais absoluto silêncio.
- impressionante! Parece de propósito. Pensei. Depois que me levanto o barulho desaparece.
Saí para mais um dia. Desci pelo elevador do prédio até a garagem e fui para a vaga do meu carro. Naquele dia, não sei bem porque, me peguei olhando para o carro ao lado do meu que sem dúvida pertenceria ao dono do apartamento de onde vinham os risos pela madrugada afora. Era um carro moderno, muito bem cuidado, polido, dei uma olhadela dentro do veículo para ver... Sei lá o que! Só por curiosidade mesmo. Não havia nada que denunciasse a atividade de seu dono, ou seria dona?
Quando ia entrando no meu carro, percebi um pequeno adesivo no vidro traseiro do carro ao lado; voltei para ver mais de perto. Era um desses adesivos místicos, com uma bruxinha montada em sua vassoura voadora e abaixo a frase: eu amo ser bruxa.
Achei aquilo muito legal, eu mesmo tenho uma forte inclinação para a bruxaria, já li muito a respeito. Bruxas das cavernas. Bruxas da Idade Média. As vergonhosas fogueiras da Inquisição. Bruxas e Bruxos da Idade Moderna. Enfim. É um assunto que sempre me interessou.
Mas a princípio não liguei os fatos. Afinal... Aquele tipo de adesivo está pregado em muitos vidros traseiros por aí. Fui trabalhar.
Adoro meu trabalho, por isso, não o considero um trabalho e sim uma diversão.
Alguém escreveu não sei aonde... “Encontre algo que goste de fazer e não precisará trabalhar nunca”.
Crio artes gráficas para uma revista feminina de alta rotatividade. Isso me leva a ter que pensar várias vezes como mulher. Não é fácil... Mas tento. Minha superior diz que tenho algum talento... Isso pra mim já é o suficiente.
Como gosto do que faço, o tempo escoa, não passa.
A hora do almoço chega e vou para o restaurante. É um momento relaxante, onde aproveito para trocar idéias com minha amiga Claudia que trabalha no mesmo escritório que eu. Claudia tem 28 anos e é uma mulher bastante interessante. Tem uma vivência pessoal muito intensa e conhece vários assuntos profundamente.
Resolvi tocar no assunto das minhas noites mal dormidas, porque algo no meu cérebro não queria calar; algo indecifrável, invisível, mágico e misterioso que martelava minha mente incessantemente.
Falei dos barulhos, ruídos de alguma coisa raspando em metal; e também dos risos abafados que às vezes se transformavam em gargalhadas. Comentei que aquilo ia até de madrugada e que raramente conseguia pegar no sono. Ela me ouviu falar por mais ou menos uns dez minutos e não me interrompeu em momento algum. Quando terminei, olhei em seus olhos e percebi que eles brilhavam estranhamente. - Rafa, me disse ela, acho que você tem uma bruxa morando ao lado. Não tenho certeza, mas por tudo que você me falou até agora, pode ser que seja isso mesmo.
- Uma bruxa! Exclamei meio que rindo, meio incrédulo, uma bruxa de verdade?
- É o que parece. Você acredita em bruxa?
- Olha Claudia, eu já li muito a respeito dessas coisas. A História fala sobre bruxaria desde tempos imemoriais. Mas acreditar pra valer é outra estória você não acha?
- Isso depende de você Rafa. Ou a gente acredita ou não acredita.
- Digamos que eu quero acreditar... Mas não sei ao certo se as bruxarias realmente surtem algum efeito no mundo real. Pode ser tudo criação da mente.
- E existe algo que não seja criação da mente? Ela me falou com um sorriso maroto no canto dos lábios.
Naquela noite, quando cheguei em casa, ainda estava com o sorriso enigmático de Claudia vividamente em minha cabeça. Abri a porta do apartamento e entrei. Um frio gélido me percorreu a espinha de cima em baixo; tive a nítida impressão de que havia mais alguém ali presente. Percorri os aposentos um por um. Não havia ninguém. É claro... Tudo fruto da
imaginação. Pensei que poderia ser pelo fato de não estar dormindo bem às noites. Liguei o computador, respondi alguns e-mails, terminei algumas pendências. (os olhos pesados) Resolvi tomar um copo de leite e dormir, mas na hora de abrir a geladeira troquei o leite por uma, generosa, taça de vinho tinto. Uma delícia esse vinho do Sul; néctar dos deuses.
Já trocado e pronto para dormir, refleti sobre a frase: Existe algo que não seja criação da mente? Não consegui achar uma resposta convincente; os pensamentos iam e vinham, não conseguia me concentrar em nada. (Apaguei)
“O SONHO”
Eu caminhava pelo quarto, mas meus pés não tocavam o chão. Olhei para a cama e meu corpo estava lá; dormindo tranqüilamente. Não me assustei, é como se fosse a coisa mais normal do mundo. Fui em direção à parede e simplesmente a atravessei como se atravessasse uma porta aberta, no instante seguinte estava na sala da vizinha do apartamento ao lado. Ela me olhou e sorriu. _- Esperava por você, aproxime-se. Olhei em volta e percebi a presença de mais alguém. Sentei, confortavelmente, em uma poltrona e esperei. Ninguém falava nada.
A vizinha misteriosa foi até o centro da sala, onde havia um enorme caldeirão, e mexeu alguma coisa dentro dele com uma colher de madeira. Havia um aroma delicioso no ar.
Esperei… enquanto esperava observei.
A vizinha era muito bela e jovem, seu cabelo caheado caia por sobre os olhos amendoados e pequenos, tentei ver melhor o rosto da outra pessoa que estava na sala mas não foi possível, ela se colocava sempre no canto mais escuro do aposento e as sombras encobriam seu rosto. Pelas roupas e pelos trejeitos sabia que era uma mulher, mas só… não dava para definir mais nada. (o feitiço do caldeirão continuava)
Passado um certo tempo a bruxa do apartamento ao lado colocou numa caneca um pouco do conteudo do caldeirão e me estendeu a mão como quem serve uma xícara de chá. Tomei o líquido quente com gosto de “nada” e sorrí em agradecimento. A reação da bruxa me fez tremer dos pés à cabeça. Jogando a cabeça para traz ela soltou uma gargalhada que ecoou por todo o prédio. (sinistro) A luz de uma vela projetava sombras em seu belo rosto pálido; seus olhos revirados pareciam querer saltar das órbitas. Ela parou de rir e me olhou nos olhos, eu quis correr mas minhas pernas não obedeceram, seus olhos me atingiram a alma e eu me sentí nú, despido de todos os meus segredos mais íntimos.
O ritual proseguiu por mais alguns minutos. (infindáveis minutos) Então ela me fez sinal para ir embora. Me levantei imediatamente e dei graças quando percebí que agora minhas pernas respondiam ao comando de minha vontade. Caminhei em direção à parede, por onde havia entrado naquele apartamento maluco, e um instante antes de atravessá-la olhei mais uma vez para a terceira pessoa que estava na sala, ela continuava na sombra tentando esconder o rosto, mas por um momento, um breve momento, a luz do farol de um carro que passava lá em baixo na avenida, iluminou sua face, e eu pude saber quem era. Fiquei estupefado… era Claudia.
A fraze mais uma vez ecoou em meu cérebro: Existe algo que não seja criação da mente?
Existe algo que não seja criação da mente? Existe algo que não seja criação da mente?
fim
marcos villa verde