Rábula

Até pouco tempo nesta comarca havia a figura do rábula. Talvez houvesse muitos, porém estou escrevendo a história obscura, pouco divulgada, história daqueles homens que circulavam com o “saber” de nariz para cima, querendo dizer “aptos” para enfrentar com raciocínio rápido e prático, o metal das desinteligências. O vocábulo do latim costura um sentido depreciativo. Servia para identificar o advogado que falava muito e sabia pouco. Substantivo designando o que há de pejorativo na profissão do direito: “Advogado ou procurador chicaneiro, aquele que embaraça as questões, lançando todos os artifícios que as leis jurídicas facultam”.

Perto do nosso adorável tempo vamos ao dicionário Aurélio onde o étimo segue a linha dos compêndios lusitanos no que concerne ao sentido: advogado de limitada cultura, importuno, leguleio, pegas. Define também todo aquele indivíduo que advoga sem o álibi moderno do diploma.

Sem encantamentos e com dor na alma o vocábulo “rábula” é quase palavra morta. Mas o seu sentido é vivíssimo. Ninguém haverá de dizer: papai era rábula que alcançou fama e fortuna porque os serviços prestados não eram tabelados. Hoje quando todos ambicionam a titularidade de doutor, sem doutorado, o que renova a consistência da figura antiga, estamos infestados de rábulas justo quando se necessita de grande ciência. Assim caminhamos tropegamente respeitando solenemente doutores em caramujos. O estrago social no indivíduo é de uma desgraça inominável. Os rábulas que aqui viveram e exerceram o direito de protestar em nome de alguém atingiram grande notoriedade financeira comprovando que rabulices são de grande efeito para o êxito das questões. Triste, abatido, sozinho fico pensando até que ponto teria sucesso se minha causa fiduciária de “juros elevadíssimos” tivesse caído nas mãos de bons rábulas. Ou se pelo menos tivesse sido rábula de mim mesmo.

Com dinheiro tudo seria diferente. Nenhum advogado nomeado confessaria estar perdendo tempo comigo quando nem sabe sobre que processo está me referindo. Ah! O dinheiro arrancaria um profundo respeito para o caso, respeito para com pessoas simples, de chinelos e sonhos. Conseguiriam deter os juros dentro do processo labiríntico que eles juram de ser fácil acesso.

Há um ódio inato em todo aquele recalcamento justificado pela perda do valor próprio dentro da esfera dos valores pessoais. Sou um homem simples, confesso. Vivo a era em que todo ouro fuma no Senado. Só nós, humildes, não podemos fumar a liberdade do que quer que seja. Somos obrigados a cumprir nossos destinos com rábulas para que a vitória do primeiro empreendimento compense as ilusões do trabalho. Pois tentamos o trabalho e recebemos na diificuldade o forum.