AOS QUERIDOS E AOS OUTROS

“Não pensem que o inferno é um lugar quentinho com um monte de gente dançando, cantando, atendendo celular, comendo, bebendo, brigando, escrevendo, fazendo poesia. Não, porque isto não é o inferno, isto é o céu. Porque no céu é que tem festa, alegria, confusão. Por que no céu é que tem gente. No céu tem mais de uma pessoa. O inferno é quieto, parado. Se no inferno tivesse mais de uma pessoa, não seria inferno, já seria céu. Porque no inferno estamos sozinhos, solitários; e a única coisa que nos faz companhia no inferno é o silêncio, nosso silêncio interior, o silêncio do nosso egoísmo, da nossa mesquinhez. Lá reina a solidão da nossa falta de amor e solidariedade”. Foram com essas palavras que o celebrante terminou a última missa, no feriado de segunda feira passada, dia de finados. Cheguei ofegante para não estar muito atrasada, peguei ainda a missa já em curso, mais ainda válida. Não queria faltar a esta festa onde meus queridos estariam presentes entre os homenageados, sendo Ele o Maior dEles. Eu O conheci como um Ser de Amor e esta Sua face me cativou e marcou para sempre. Jamais pensei Nele apartando-se de mim. Se houve momentos de profundo abismo entre nós, foi por minha causa, provocados pelas circunstâncias e incompreensão entre mim e os humanos na intercorrência do caminho. Orei pelos meus pais, a quem devo a oportunidade de vir à consciência neste mundo presente. Desejei que eles estejam no lugar que minha Fé me diz que já estão. Imagino que seja na Luz, na Misericórdia, na Bondade e no Amor do Divino. Acrescentei especialmente o pai do meu filho, aquele, que escrevia poemas e cartinhas inusitadas. Ele era ateu, mas tinha suas nuances, como todos. Foi ele quem me falou da capela da Nossa Senhora do Sim, na igrejinha perto de onde eu morava. Menciono alguns outros nomes, de pessoas especiais. Aos que tenho até medo de lembrar, para não dar muita chance ao inimigo, eu entrego à Sua justiça e Sabedoria. E porque o ritual segue e no tempo das falas não há espaço para muitos nomes, inventei um jeito de incluir todo mundo, estendendo a lembrança aos antepassados, aos parentes, aos amigos e afins. Ao sair, encontrei amigas e juntas cumprimentamos o celebrante que saia da nave, por tão feliz inspiração. Ele agradeceu apertando afavelmente nossas mãos. Caminhamos pela Avenida Paulista. Na entrada do Center Três, um artista de rua dava um show de sapateado, sobre um pequeno tablado de menos de um metro quadrado. Joguei um trocado no chapéu, ele agradeceu com uma mudança rápida no ritmo dos pés. Um vento brando refrescava a noite sob o horário de Verão. O céu exibia uma lua cheia, escandalosa, oferecida, parecia querer invadir a minha janela. Olhei fixamente para o céu; um arrepio percorreu-me desde os pés até os fios de cabelo. O infinito me assusta...

03.11.09