PAGAMENTO DE PROMESSAS – PARTE FINAL

Por falar em promessas, quem mais gosta de pagá-las é político quando ganha a eleição. Se ele perde, nem tanto. Porém, num todo, fazer promessas para político pagar é certeza que a promessa será carimbada e autenticada, e registrada em cartório, como um dever cívico a ser cumprido e outorgado.

Diante disso, uma amiga minha, moradora de uma cidade daqui do Rio Grande Norte, me contou que, numa determinada eleição, esta bastante acirrada, um dos candidatos, muito supersticioso, ao término da campanha, já eleito, começou a pagar as promessas feitas, para ele, pelos seus correligionários.

Como não poderia deixar de ser, algumas delas, eram esdrúxulas, entretanto, em nenhum momento o vitorioso candidato recusou-se a pagá-las, por mais que fossem, em alguns casos, doloridas.

Contou-me esta amiga que, uma a uma elas foram – as promessas – sendo quitadas. Até chegar a vez de um senhor que vendia guloseimas na feira da cidade. Homem pobre, que só tinha como patrimônio o carrinho de vender os petiscos e um cachorro sarnento que lhe fazia companhia, no barraco fora da cidade onde ele morava.
Pois é, ele esperou que todo mundo tivesse ido à casa do futuro mandatário da cidade para ele se fazer presente e dizer o que tinha pedido aos santos para que o seu candidato saísse vencedor nas eleições municipais.

Chegando a casa do mesmo, foi muito bem recebido. Deram-lhe uma cadeira para ele sentar, trouxeram-lhe um cafezinho e até deixaram que o cachorro sarnento ficasse deitado, cheio de remelas e sonolento, ao lado de sua cadeira. Sabe como é: político que é político jamais enxota cachorro de correligionário. Vai que um dia cachorro vote!

Depois de um certo tempo de conversa fiada, congratulações e babações costumeiras – isso tendo como sobremesa o entra e sai das “comadres” (quer ver você arranjar amigas, seu marido ganhe eleições e você se torne a primeira dama), o corre-corre dos puxa-sacos fazendo de conta que estão preparando a solenidade de posse –, o feirante se dirigiu para o distinto vencedor:

- “Dotô”, o senhor sabe que a campanha foi pesada. O outro candidato não chegava aos seus pés, mas tinha bons cabos eleitorais e, por isso, “apertou” demais nos votos. Olha, foi preciso eu me valer de todos os santos fortes, que eu conheço, para poder o senhor sair vitorioso nessas eleições. Juro que tinha noite que eu desanimava, tamanha eram as forças contrárias, vindas das outras promessas da parte de lá. Mas, os “meus” santos eram mais fortes. Mesmo assim, a peleja foi dura demais!

Nessas alturas, o candidato já fazia os cálculos, tentava resolver a equação, adivinhar qual tinha sido o teor das preces e tentar transformar tudo isso em pagamento para, assim, se livrar de mais uma promessa feita pelos seus devotados correligionários.

- Dotô, eu só sei de uma coisa, continuou a ladainha, o dedicado eleitor: se não fossem minhas preces, o suor da minha fé, o senhor não tinha se elegido. Pode acreditar: se eu tivesse esmorecido, o “excomungado” do seu adversário era quem tinha ganhado.

Como já fazia um tempo considerável de conversa – político não perde tempo, despacha logo, mesmo que seja com aperto de mãos, tapinhas nas costas e sorrisos, e até gargalhadas – e nada do responsável pela sua vitória dizer qual tinha sido a promessa, ele, contra a própria vontade, perguntou:

- Pois bem, seu Antonio, qual foi a promessa que o senhor fez para eu pagar. Pode dizer que eu cumpro a palavra. Qualquer que seja, mesmo sendo espinhosa, eu pago.

- Dotô, como eu sabia que todo mundo estava fazendo promessa e, como segundo meus santos, nada estava adiantando, eu resolvi ser duro, pau de dar em doido, no meu pedido. Ou ia ou rachava. Não deu outra: acertei em cheio!

- E qual foi o pedido? – já falou se contorcendo na cadeira, o futuro chefe do executivo, sendo acompanhado, incrivelmente, pelo cachorro sarnento – que aguçou suas orelhas e mirou o seu dono, como a prestar total atenção no que ele ia revelar.

- Dotô, eu pedi para os “meus” santos que se eles fizessem o senhor ganhar a eleição, o pagamento da promessa seria o senhor me dar, de presente, uma casa toda mobiliada, no centro da cidade. Mas, agora olhando bem – e já que o senhor ganhou, com a minha ajuda, a eleição – não precisa ser no centro. Pode ser em qualquer bairro da cidade. Viu, “dotô”, como foram pesadas as minhas orações? Foi preciso pedir uma coisa grande para poder ser atendido.

Bem, depois dessa, o distinto mandatário municipal, com medo de uma praga ou de quebrar uma jura – mesmo sabendo das “boas intenções” do desinteressado homem forte de sua campanha, acabou, segundo me disse essa amiga, depois que assumiu a prefeitura, dando, de presente, uma casa para o vendedor de petiscos e uma casinha de cachorro, no muro da mesma, para o seu fiel escudeiro, o cachorro sarnento.


 



Obs. Imagem da internet
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 03/11/2009
Reeditado em 07/12/2011
Código do texto: T1903247
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