Foi sonho ou foi uma viagem real?
Quando meu pai se foi, eu tinha apenas nove anos. Foi a minha primeira e talvez maior perda muito, muito dolorosa.
Poucos meses depois, tive um sonho desses que se destacam por certas qualidades marcantes e indescritíveis.
Eu me reuni a um grupo de pessoas desconhecidas que pareciam estar à espera de algo numa praia. Passados poucos instantes, um homem nos chamou a todos pra embarcarmos numa espécie de van ou micro-ônibus. A paisagem vista pelas janelas do veículo era escura e nebulosa. De repente, chegamos com a suave luz do dia a uma comprida alameda, através da qual se podia vislumbrar um campo viçosamente verdejante e muito tranquilo e, ao final dela, um extenso gramado muito bem cuidado. Ao fundo, cercado por belos jardins, havia um prédio baixo e comprido, uma construção simples, mas sólida, sóbria e digna. Ao meio se via uma parte um pouco mais alta, onde havia uma grande porta de entrada, ladeada por duas extensas alas pontuadas por muitas janelas.
Saímos do veículo que nos levara até lá, subimos uns poucos degraus e entramos no prédio. Vi-me num saguão onde, por trás de um grande balcão, muitos funcionários orientavam os recém-chegados. Lá fui instruída a me dirigir a uma das alas para chegar a um determinado quarto.
Depois de bater à porta, entrei e vi meu pai sentado na beira de uma cama, vestindo um dos seus velhos pijamas listrados.
Claro que fiquei intensamente emocionada ao vê-lo. Mas, estranhamente, aquilo tudo me pareceu perfeitamente natural e até esperado. Ele estava com uma aparência tranquila e levemente vigorosa, embora parecesse estar ainda se recuperando da grave enfermidade que o havia levado. Depois de me abraçar e beijar meu rosto, convidou-me a sentar numa cadeira próxima à cama. Então falou muito longamente comigo...
Depois disso, retornei vagarosa e pensativa ao veículo que me levara até lá. E aí acordei.
Curiosamente, todos os detalhes deste sonho ficaram nitidamente gravados na minha memória, com cores, texturas, cheiros e sons, bem como as emoções que me despertou. Mas, por mais que me esforçasse, jamais consegui me lembrar do conteúdo da nossa conversa. Sei apenas que me deixou uma impressão profunda, como se tivesse se tratado de orientações, conselhos e avisos, dados na sua voz suavemente grave e pausada -- que jamais esqueci --, com o lindo e forte sotaque gaúcho.
Não sigo nenhuma doutrina religiosa, embora tenha uma concepção bastante peculiar e particular de Deus. Mas tenho uma persistente certeza de que este sonho foi uma inequívoca experiência metafísica e de que me encontrei de fato com o meu pai.
Os conselhos e avisos que ele me deu podem ter ficado obliterados na minha consciência. Mas certamente têm me orientado, de alguma forma, por toda a minha vida, ressoando das profundezas do meu subconsciente, sempre que surge a necessidade.
De qualquer modo, jamais houve uma conquista, uma tristeza, uma vitória, uma alegria, uma dor, uma realização ou marco qualquer no meu caminho, que eu não pensasse no meu pai tão querido, como se ele estivesse ali ao meu lado. Aliás, sei que ele sempre esteve ao meu lado, nem que fosse apenas na memória, que essa não há tempo ou fenômeno qualquer que consiga apagar ou desbotar. Ele está comigo aqui agora.
E está sorrindo.