Crônicas da Esquina ( Carta ao Perna )
Vila Isabel, 17.1, Sábado do ano 13, Dp.
Sr. Prefeito do bairro de Noel,
Peço vênia para mandar-lhe, pelo correio da alma, a presente missiva deste seu humílimo admirador. Não me julgo malandro, mas permita-me V. Exa, que eu me despoje da inconveniente hipótese de ser mais um otário importado para essas bandas.
Como V. Exa sabe, não cheguei a conhecer-lhe, fato que, pelo que ouço, considero imperdoável. Mas ficou-lhe a fama e, com ela, a motivação que me levou a escrever-lhe especialmente nesta data. Seu nome corre bares, Sr. Prefeito. A placa comemorativa no Costa, a presente festa, retomada e orquestrada pelo amigo Rui, a ala da galera da escola... ( esta nublou-se com a teimosia do Jair em lhe fazer uma visita). Tudo isso é a prova cabal da relevância que V. Ex.a goza no bairro cujo imaginário coletivo ajudou a construir.
Guardando respeitosas proporções, a historiografia local não hesitará em reconhecer a absoluta necessidade de dividir a nossa história em duas eras: Vila Isabel Antes do Perna e Vila Isabel Depois do Perna. Estamos, pois, na segunda.
Quando aportei por aqui, V. Exa. já se apressara em se fazer saudade. Saiu à francesa, mas, pelo que sei, deixou a conta paga. No cheque assinado, relíquia que o Manelzinho do Petisco guarda em seu museu de lembranças, havia uma quantia de cento e setenta e um reais motivos para que todos soubessem que a saudade não precisa de um rosto para ser sentida.
Hoje, comemoramos a sua ausência. V. Exa. sempre achou que todos precisam de um motivo para sorrir. E no riso que nos embala, não se esconde a lágrima da memória. Afinal, é ela quem nos mata a sede. Uma sede que nos obriga a intermináveis brindes que, pelo tintim das tulipas erguidas, bem poderiam ser sinos tocados à sua celebração.
Mas essa data não existe para lembrá-lo, sr. Prefeito. A lembrança é um sentimento frágil que precisa de um certo esquecimento para se fazer presente, o que, em se tratando de V. Exa., não é o caso. A data existe para que o reinventemos. Todos os anos o fazemos um. Em cada voto, invocamos seu nome. A festa existe para festejá-lo. E V. Exa. comparece.
Lágrimas de chope emergem a cada história. Risos rebentam. Bocas não se furtam a narrar as memoráveis façanhas do ilustre redivivo.
V. Exa. não é apenas um nome, mas uma mística encravada no coração de Vila Isabel. Peralta e pernalta, sua figura tornou-se impessoal. Declarado patrimônio público e tombado pela Confraria que o tem como guia espiritual, não são poucos os que tentam imitar-lhe o estilo de vida que dá nome a essa festa.
Aqui, não se trata do 171 que reza no código, mas o 171 da camaradagem, carnavalizado. O 171 de alegres saltimbancos expondo suas graças. Não é o 171 do embusteiro cínico que nos lesa a integridade.
V. Exa. não aplicava golpes na praça, pois, se assim o fosse, não granjearia a fama e o respeito locais. Digamos que eram truques que divertiam a todos. Mas também eram truques que ajudavam a muitos. O famoso “quem tem põe, quem não tem tira” natalino, alimentava de pão, esperança e dignidade uma legião de renegados. Seu impacto foi tão forte que, mesmo após a ausência de V. Exa, ele realiza-se todos os anos como promessa de vida inteira feita por diletos amigos.
A festa do 171 não é um grito de fanfarra, mas a farra daqueles que não querem esquecê-lo e, portanto, não o farão. V. Exa. sempre estará lembrado. Seu sorriso aberto e franco estará multiplicado e estampado em todos os rostos que, nesse dia, estarão se confraternizando no Petisco, o mesmo Petisco que sempre o acolheu com prazer e satisfação. Estaremos todos enfeitiçados pela força de sua magia. E, finda a votação e apuração, não faremos silêncio. Então, entre risos e chopes, gritaremos: VALEU, PERNA!
Aldo Guerra
Vila Isabel, RJ