O Tempo, e eu vendo (1993)
Osso,
esboço,
dorso,
moço...
Fito aquele moço, magro e pálido à espera de um trem.
Tem o olhar perdido_ parece guardar consigo
o sabor amargo de anseios que há muito emboloraram
por não terem sido degustados em tempo
certo.
É o que acontece aos alimentos_ e neste caso alimentos
d'alma_ então, a fome satisfeita é a dos fungos,
que reinam soberanos sobre a matéria
desperdiçada.
Voltando-me ao moço, vejo que a matéria, envenenada,
ainda pesa em sua garganta sufocando-o pouco
a pouco.
Mas então, por que não regurgita o material enfermo,
já que lhe traz tão terríveis dissabores?
Respondo: não pode. O pobre infeliz simplesmente não
poderia livrar-se da própria alma. Vive de fungos. Vive do veneno
que destilam em suas entranhas. Sem eles, sua trajetória
seria desértica, gélida, sem fim.
O trem da Central se aproxima. Abrem-se as portas. A
multidão se acotovela em direção aos vagões.
Não há mais fila. Nem moço. Que moço? Ah!... era
apenas mais um moço (nem tão moço).
Que moço? Um moço, um esboço,
um osso,
esboço,
poço,
um moço...