UM SIMPLES PÃO COM CAFÉ

Todos já haviam tomado o café da manhã na residência quatro casas depois de onde eu morava, mas sobre a mesa bem posta e limpa avistei pães e frutas excedentes para uso em outras ocasiões. Habituado ao cotidiano de ver tão-somente um único pão e uma xícara de café para cada membro de nossa família, aquela incrível fartura inesperada do vizinho deixou-me perplexo. Como podia ser esse tipo de coisa? A minha ingênua imaginação infantil conjeturava que, assim como era conosco, o alimento regrado fazia parte de todos os lares de minha cidade, afinal de contas estávamos todos no mesmo barco a meu inocente ver.

Quando os garotos da vizinhança me convidaram para jogar bola no quintal da casa deles na manhã daquele dia pedi permissão a minha mãe, que aquiesceu, então tomei apressado o meu café preto com pão francês sem manteiga, molhando-o no líquido negro adoçado com açúcar mascavo - que chamávamos de açúcar preto - e deglutindo-o rapidamente, logo eu estava adentrando a sala de estar estranha e atravessando a cozinha no rumo do improvisado campinho de futebol.

Menino curioso, eu tudo olhava embevecido, os sofás, as grandes mesas com cadeiras bonitas, os quadros nas paredes, os brinquedos espalhados pelo chão, muitos e viariados deles, e todas as coisas diferentes do que meus olhos se habituaram a enxergar, além de tudo mais luxuosas e bem mais bonitas do que as existentes em minha pobre residência. Ao contornar a cozinha e alcançar a sala de jantar vislumbrei a mesa do desjejum devidamente arrumada e posta como se à espera dos comensais. Estranhei imaginando que o pessoal dali não tivesse feito a primeira refeição do dia. Então perguntei ao meu colega, filho do dono da casa, se ele ainda iria tomar o seu café antes do jogo. A resposta dele surpreendeu-me de tal modo que fiquei boquiaberto: "Não, nós já tomamos nosso café da manhã".

Não acreditei, é óbvio, minha rotina em nada se parecia com o que estava vendo. Como podia ser aquilo? Se todos já tinham comido seu desjejum por que tantos pães e frutas estavam tranquilamente postos sobre a mesa? Na casa deles sobrava pão e ainda por cima se deliciavam com frutas ao amanhecer? Fiquei realmente intrigado, abobalhado, sem conseguir acreditar que isso fosse verdade nas proximidades, no bairro onde morava. Seria possível pensar em frutas na minha casa nessa inusitado horário? Nem em sonhos! Raramente podíamos comprá-las. E eu não entendia que isso fosse possível por estar habituado à simplicidade do pão contado, da xícara de café regrada, da falta que nos era imposta pela humildade de nossa situação social. Mas para aquele pessoal morando quase ao lado de nossa casa era sim, eu via essa verdade bem ali diante dos meus olhos! Não, nessa residência as pessoas não comiam somente um simples pão com café e nada mais, para eles não havia limite. Todos ali podiam comer à vontade.

Aos doze anos, meu coração procurou ao longo daquele dia compreender as razões dessas grandes e gritantes diferenças sociais traçadas pela vida, sem contudo alcançar a amplitude desse universo complexo. Até esse preciso momento os limites do meu pequeno mundo, ainda intactos, se restringiam a reduzido espaço de efêmero conhecimento. Agora esses pobres limites foram extrapolados e se haviam rompido e eu avistava, dali por diante, o novo que, a um só tempo, fascinava, entristecia e amargurava. Foi a partir dessa manhã que meus olhos se abriram para encarar um novo tempo e batalhar por dias melhores. Eu também gostaria de diversificar o café da manhã, acrescentando frutas e podendo comer mais de um pão - com manteiga! - se assim o desejasse. Esse sonho, graças a Deus, com trabalho, estudo e coragem, foi realizado.

Gilbamar de Oliveira Bezerra
Enviado por Gilbamar de Oliveira Bezerra em 02/11/2009
Reeditado em 17/09/2021
Código do texto: T1900269
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