Finados

Que data mais intrigante.

Refletir sobre o quê? Quero é passar longe. Vai que a reflexão atrai. Tô fora! Será que tem como pular essa data?

Se bem que tem quem goste. Afinal, é feriado, tá vazio!

E se a data cair numa terça-feira ou quinta-feira, melhor ainda. Feriadão completo. Pode-se planejar a viagem com a família toda. Esses adoram os finados. Entendam bem, eles adoram OS finados, não querem SER os finados. Nisso eles nem pensam. Está fora de cogitação. Querem é viver, curtir. Agem como as crianças, que na suas santas inocências, até ficam felizes quando tem um velório para participar. Enquanto os adultos faltam do trabalho, as crianças podem faltar da escola, e poderão ainda realizar o grande sonho de conhecer o cemitério. Os adultos dão uma passadinha rápida no jazigo da família, porque a maioria das pessoas não vai à toa. Se não forem obrigados por um velório, a visita pelo local passa batido facilmente. O difícil é saber agir com os filhos em um velório, porque os pais estão comovidos pela emoção, mas a curiosidade da criança é tanta que, com uma lata de refrigerante na mão, não se acanham nem um pouco em se entrelaçar pelos coveiros para descobrir, conhecer o local onde seu reluzente corpinho passará a eternidade. Não sabem o dia, mas querem estar cientes de tudo. A vontade é tanta de andar no carrinho elétrico que leva o féretro até o jazigo que, quando realizarem este desejo, a vontade já estará morta.

Mas deve ser bom morrer. Nenhum simples mortal tal qual a que vos escreve voltou de lá, nem pra fazer fusquinha.

É! Ninguém sabe o dia, a hora, o local. Uns fazem uma listinha mentalmente. Fulano vai primeiro e o Sicrano depois. A vizinha então, tem que ir logo em seguida. E a gente sempre fica em último da fila. Fila? Não estou nessa não. Só os outros!

Aos que estão vivos ainda, lembrem-se que mais importante que mandar coroas exuberantes no funeral é ofertar as flores ainda em vida. As flores são simples telefonemas, abraços, gestos de respeito, carinho, afeto, solidariedade e caridade. Isto é tudo o que fica.

A única coisa que se sabe é que cada um tem uma senha. A senha da morte. Uma a uma vai sendo entregue nas mãos do criador, o autor da vida, cada qual na sua hora.

Se alguém quiser passar na frente, ofereço a minha.

Elô Bocaiuva Santos
Enviado por Elô Bocaiuva Santos em 01/11/2009
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