Do irrepetível
Minha mulher estava sugerindo alguns temas de crônicas quando surgiu a palavra irrepetível. Palavra forte e de teor muito definitivo. Mas ela soava estranha em meus ouvidos, tinha algo que me fazia duvidar de sua aplicabilidade no mundo morfossintático. Como não possuo dotes de filólogo, essa ciência de suma importância e pouco reconhecimento, pedi o auxílio do guia de ignorantes como eu, fui consultar o dicionário.
Usei o Silveira Bueno, antes tivesse usado o Aurélio, pois acabei não achando a tal palavra. Então vai aí uma definição intuitiva, de palavra cuja existência é duvidosa, de quem não é autoridade em coisa alguma. Irrepetível. Diz-se de algo que não se repete; único; diz-se daquilo que só acontece uma vez. Por meio de uma noção, ainda que superficial, pode-se vislumbrar o poder do que é irrepetível e da força que exerce na existência.
Dizem por aí que a vida é curta. É verdade, ela é curta mesmo e até onde se sabe – a despeito de Budismo, Espiritismo, Orfismo e demais doutrinas que falem em encarnação – é praticável não mais que uma única vez. Portanto, irrepetível. Como esta – a vida – é feita de momentos e momentos, existem aqueles que nós gostaríamos que se repetissem: o primeiro beijo de amor, o nascimento do filho, um dia especial. Naturalmente também existem os momentos em que damos graças aos céus por não acontecerem outra vez: a desilusão, uma frustração, a nota baixa que reprovou. Em nossa vida o irrepetível representa (supremo clichê) duas faces da mesma moeda; o que se quer ou não; o que se quer lembrar e o que se quer esquecer.
No soberbo a Insustentável Leveza do Ser, de Milan Kundera, a vida é comparada a uma peça de teatro que não se ensaiou previamente o texto. Vista deste modo a situação, os erros são inevitáveis, impossíveis de correção e por muitas vezes desastrosos. É um teatro em que as personagens que saem de cena não voltam mais. As pessoas que admiramos, que queremos bem, que amamos, a existência permite a todas elas – a você que lê a crônica e a mim que a escreveu – apenas um momento. Somos todos assim, provisórios, irrepetíveis e por mais que sejamos importantes, inteligentes, bonitos, um dia – cedo ou tarde, suave ou abruptamente – seremos arrancados de cena para permanecer no que está implícito naquilo que não se repete: o saudoso. Kierkegaard é que tinha razão: o instante é tudo. Diante de tudo isto, resta aconselhar o que é óbvio: viva intensamente cada momento como se fosse o ultimo, porque ele é mesmo. Depois da angústia de parir este texto, resta-me um consolo: esta angústia – especificamente esta – não se repetirá. A filologia devia ter ganhado um Nobel há muito tempo.