As fábulas da mortalidade do ser humano
No dia dos mortos, leia o conto “Os Mortos”, de James Joyce. Enredo: Gabriel Conroy é casado com Gretta. Após a festa de Ano Novo, organizada pelas tias de Gabriel, ele e Gretta vão para um hotel, já de manhã. Gretta permanece pensativa, praticamente ignorando seu marido, que acaba perguntando a ela qual era o problema. Gretta diz estar pensando numa canção que ouvira durante a noite e revela que aquela canção era cantada por um ex-namorado. Suspeitando que ela ainda está apaixonada, Gabriel insiste no assunto e Gretta revela que ele, na verdade, estava morto. O conto se encerra com Gabriel ouvindo a neve “cair brandamente – como se lhes descesse a hora final – sobre todos os vivos e todos os mortos”. É uma pequena obra-prima sobre a mortalidade do ser humano.
No dia dos mortos, não leia o conto “Quando eu morri”, de um português chamado Anderson Cristiano da Costa. Apesar de ter meu nome de família, o gajo aparenta uma ligeira debilidade mental. Eis todo o texto: “Quando eu morri, a primeira coisa que vi foi um sol vermelho como tomate. A primeira coisa que senti foi uma vontade de nunca mais comer coisa nenhuma”. Danou-se! Você acabou lendo o conto do retardado. Ou será que somos nós que não alcançamos a profundidade da “narrativa”?
No dia dos finados, se puder leia os contos de Miguel Marvilla, do livro “Os mortos estão no living”. Lançado no começo da década de 80, quando a ditadura militar no Brasil já começava a morrer, o livro trabalha com o tema do fim da vida e do ciclo, fim da ditadura, mas também a “morte” de relacionamentos afetivos, de pequenas esperanças, marcação de passagem a outro estágio nas vidas das pessoas. "A noiva passa, de carro, como para um enterro", é a frase inicial do primeiro conto, "Três histórias", que sintetiza com bastante precisão o espírito dessa obra.
E os epitáfios? Meu prazer é caminhar pelo campo santo lendo as inscrições nos túmulos. É o nosso último cartão de visitas.
Alexandre o Grande anunciou sua megalomania: “Uma tumba agora é o bastante para quem o mundo não era suficiente”. Molière parece que escreveu seu próprio epitáfio: “Aqui jaz o rei dos atores. Agora se faz de morto e na verdade, o faz muito bem”. O do filósofo Diógnes é muito sarcástico: “Ao morrer joguem-me aos lobos, já estou acostumado”.
Orson Welles mesmo depois de passar desta para melhor, manteve sua genialidade. No seu túmulo está gravado: “Não é que eu tenha sido superior. Os demais é que eram inferiores”. Miguel de Unamuno, por sua vez, fez também sua última gracinha: “Só peço a Deus que tenha piedade da alma deste ateu”. Na tumba do compositor Bach está escrita uma mensagem de duplo sentido: “Daqui não me ocorre nenhuma fuga”. Existem os epitáfios profissionais. Por exemplo, o de Benjamin Franklin, impressor, é muito criativo, diz o seguinte: “ O meu corpo, como um velho livro, sem enfeites aqui jaz. Alimento para os vermes. Porém, acredito que aparecerei, em breve, numa nova edição, corrigida e melhorada pelo Autor”. Na tumba de um apreciador do ócio: “Aqui Fray Diego repousa. Jamais fez outra coisa”. Outros celebram a guerra conjugal. Em Guadalajara, existe o verdadeiro epitáfio da viúva alegre: “A meu marido, falecido depois de um ano de matrimônio. Sua esposa com profundo agradecimento”. Em contrapartida, em outro cemitério encontra-se a vingança de um esposo insatisfeito: “aqui jaz minha mulher, fria como sempre”.
Em Minnesota encontra-se outro que é genial: “Falecido pela vontade de Deus e mediante a ajuda de um médico imbecil”. Num cemitério do Rio de Janeiro existe um que brinca com o caráter bélico de seu morador: “Aqui jaz o General Ferreira. Transeunte, passe tranquilo. Está morto!”. Mas, nada se compara à sinceridade da inscrição que se encontra num cemitério da Catalunha: “Levantem-se vagabundos, a terra é para quem trabalha”. O de Allan Poe, sem brincadeira, supera todos, é a citação do famoso poema “O Corvo”. Realmente é definitivo: “Nunca mais”.
Para encerrar, citação de um emblema em cemitério do Nordeste do Brasil: “Nós que aqui estamos por vós esperamos”.
FONTE: “Diccionario Ilustrado de la Muerte” de Robert Sabatier (Gustavo Gilli- Barcelona)
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